Um grande sequestrador
Antônio La Selva é um poderoso produtor rural, no Mato Grosso do Sul. Isso todo mundo sabe – afinal quem, no Brasil, não passa o olho (quando não fisga!) por uma novela na tevê?! Eu sou daqueles que viram grande parte da história de ‘Terra e Paixão’.
Já andei lendo críticas – não de críticos especializados, mas de telespectadores que veem incongruências, inconsistências; em resumo, faltaria a alguns personagens um mínimo de coerência... Isso realmente ocorre.
Mas nem por isso, o texto – representado por um ótimo elenco – deixa de ser um bom divertimento nas noites, depois da rotina de trabalhos diários. E a novela é grande... Tem vários núcleos. Reparo que o autor, na medida do possível, vai proporcionando um espaço também para os personagens menores. Todos eles têm lá a sua oportunidade de aparecer um pouquinho na vitrina da tevê e alavancar seus currículos artísticos. Gosto disso! Aplaudo!
Como telespectador, sou daqueles que valorizam a descontração, a comédia, e, nesse sentido, a novela oferece ótimos momentos. Quem não riu com Antônio, com Ramiro, Kevin, doutor Tadeu, Jussara, Luidi, Anely?... E a lista já se vai longa. Então, se é pra divertir, talvez não caiba tanta preocupação em amarrar com firmeza todas as pontas... Ainda mais que tem o fato de que novela é obra aberta, e o espectador vai comandando o autor com gostos, preferências, que às vezes não estavam no script original.
Há poucos dias, o autor nos deixou tensos... Foi realismo de mais. Nada de graça. Apareceu um tal de Dirceu, pedófilo, que, caindo em uma armação, foi descoberto e acabou na cadeia, equacionando de vez o drama pessoal da personagem Petra. É o lado pedagógico da novela, trazendo com seriedade um assunto necessário, que não fez ninguém rir...
Como veem, escrevo como quem está sentado no sofá e comenta uma ou outra coisa com quem compartilha a história... Meu registro é sem preconceitos com uma programação que o ator Tarcísio Meira, um ícone da dramaturgia, chamava de teatro popular de qualidade. Creio que foi assim que ele se expressou.
Mas voltemos ao La Selva... O homem odeia Aline; pelo que sabemos, ela será mãe de dois netos do produtor rural. Ele não quer, não aceita que os filhos de Aline venham no futuro a ser donos da fortuna que ele construiu, com trapaças, com sujeiras... Manda, então, Ramiro, de cara limpa, sequestrar a moça grávida em um convento. De lambujem, Ramiro leva uma freirinha, solidária a Aline, para o cativeiro. O próprio Antônio La Selva vai à tapera onde as escondeu e ameaça a nora e a freira. Tudo de cara limpa, confiando, naturalmente, no poder do dinheiro. Pelo jeito, será um sequestro longo, pois a gravidez se inicia e Antônio planeja separar a moça dos filhos e mandá-los pra bem longe, onde nunca saberão que são seus netos. Que estratégia difícil de administrar! Não? Além do mais, o sequestrador Ramiro tem claudicado no mal, e La Selva sabe disso... Assim sendo, o sequestro é desses lances que não se sustentam na coerência e na inteligência...
Por que será que isso ocorre? Talvez porque, ao cabo, a intenção do autor – com um tema sério, de maldade, cobiça, ódio, perseguição – seja mesmo nos divertir e nos fazer rir. É por isso que eu aplaudo e mando às favas alguma incoerência...