ANO NOVO (DÉCADA DE 50)

ANO NOVO (DÉCADA DE 50)

O Ano Novo começava um dia antes.

Primeiramente ia com a mãe à feira, comprar principalmente, galinhas, tainhas, coco. A seguir na venda do Seo Domingos, farinha, arroz, lentilha, guaraná Antarctica e Crush (ah!!! A Crush). Finalizando na padaria para pedir que no dia seguinte guardasse uns pães amanhecidos, ou melhor, dormidos. A galinha vinha viva, amarrada pelos pés e carregada de cabeça para baixo, era um perrengue carregar as bichinhas. A tainha já limpa vinha acompanhada das ovas que iam virar farofa para o recheio. A lentilha(argh), para o ritual de colher fartura no novo ano, mas entrava e saía ano e a riqueza nunca vinha. O coco para o manjar branco que ano a ano ficava manjado. Especial mesmo eram o Guaraná e a Crush(Ah, mais uma vez, a Crush). Aos trabalhos:

. matar as galinhas, vovó quebrava os pescoços, mamãe cortava os pescoços, técnicas divergentes, ambas sofridas ao ver as bichinhas debatendo-se no chão. A seguir o panelão velho, marcado pelo escuro do fogo dos outros anos, suportado pela pilha de tijolos que servia de fogareiro, alimentado por madeira de caixotes velhos (gentilmente cedidos pelo Seo Domingos) e a água ali fervia para mergulhar as galinhas e depená-las, depois vinha a abertura e retirada das vísceras e das cabeças. Não esqueci nunca do guardar das moelas para enriquecer a farofa.

. A tainha já vinha limpa mas tinha que tirar as escamas restantes que nunca esqueci, que a cada escama via-se a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Era recheada com farofa feita com as ovas e costurada. Embrulhada em folha de bananeira, assada num forno que era um buraco feito no quintal e cheio de carvão, técnica de mamãe.

. A rabanada e o manjar eram as sobremesas.

Na noite da véspera começavam a chegar os tios, tias, primos, primas e na mesa pequena cabia todo mundo, inclusive vizinhos que iam e vinham trocando cotovelos e a torre de babel era presente, até o momento em que alguém puxava uma oração antes da comilança e também em seguida o passar da indefectível colher de lentilha. Os ossos das galinhas iam aos poucos para os cachorros, nesse tempo cachorros ainda eram cachorros.

Aos poucos, tudo foi mudando e hoje as famílias são menores, os vizinhos desconhecidos, as comidas encomendadas e os cachorros não são mais cachorros.

De qualquer forma, tudo muda, mas continuo desejando a todos um Ano Novo muito especial, o meu sem dúvida será, afinal não teremos lentilhas.

Arnaldo Ferreira
Enviado por Arnaldo Ferreira em 30/12/2023
Reeditado em 30/12/2023
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