De novo o ano novo

Votos renovados, metas revistas e repactuadas, esperanças de que dormimos no ano velho e acordamos em um ano novinho, pronto para ser escrito, 2024... Do mesmo formato de 2023 e de todos os outros anos. 

O primeiro contato que tive com a filosofia foi uma tentativa de ler, sozinha, o livro Crítica da Razão Pura, de kant (filósofo alemão,1724 -1804). Não consegui entender muita coisa. É um livro denso com linguagem e conceitos que eu desconhecia na época. Mas uma definição ficou guardada e foi a frase que me despertou para o estudo da filosofia. “Tempo é intuição. Não conseguimos pensar sem a existência intuitiva de tempo e espaço. Tempo é corrupção (com sentido de deterioração) e movimento.” O movimento define o tempo, sentimos que ele passou porque as coisas são dinâmicas e corruptíveis. Tudo se altera e deteriora com o tempo.

A razão de convencionarmos o tempo ciclicamente é que precisamos de uma periocidade para ordenar a vida e o espaço. Conseguimos dizer que no dia tal do ano tal o homem  pousou na lua, que me formei em tal data e tenho tal idade porque convencionamos a contagem de tempo de maneira que é similar para todos. Só assim podemos contar nossa história e a da humanidade.

Fernando Rey Puentes, em seu livro, O Tempo (Ed. Martinsfontes, 2010, p. 12-14) propõe um exercício para que pensemos a importância da circularidade do tempo: suponha que o calendário como o conhecemos, não existe. Que cada um de nós iniciamos a contagem dos dias a partir do nosso nascimento. Nascemos no dia 1 e assim sucessivamente.  Cada um de nós estaríamos em um dia da nossa vida, o meu 10980, o do colega 11243, o do meu filho 5678. Como iríamos contar nossa história? A data da vida de cada pessoa seria única e só dela. Não saberíamos dizer quantos anos temos, se somos jovens ou velhos, quando nascemos. O que torna possível a narrativa da nossa história é a convenção, criada por nós, do calendário. Acreditamos ou esperamos que ao chegar no dia 365, o ano acaba e inicia outro. Outro ciclo, outro ano vazio para que possamos agir, fazer e escrever nossa história.

Se os anos são convenções, o que não pensar das convenções marcadas pela convenção do calendário? Somos bebês, crianças, adolescentes, jovens, adultos, velhos. As fases da nossa vida são de datas marcadas. Se faço 30 anos sou adulto, se tenho 60, velho. Segundo Kant, percebemos que o tempo passa pela deterioração do corpo e dos objetos. Esta sensação de tempo passado é subjetiva. Uma rocha sofre mudanças com o passar dos anos, mesmo que seja imperceptível aos nossos olhos. Podemos dizer que o tempo da rocha e o nosso são diferentes?  

Proponho uma reflexão sobre a sensação do tempo passando, as convenções da contagem e datações e as afetações que isto nos traz. Se resolvessem que o ano duraria 200 dias estaríamos mais velhos, 800 dias, estaríamos mais novos.

Feliz ano novo de novo! Pense aqui comigo...

Márcia Cris Almeida

27/12/2023