UMA HISTÓRIA DE NATAL

Por Andrade Jorge

Era véspera de Natal, havia um corre-corre, burburinho pelas ruas, pessoas que compravam presentes de última hora, e no meio desse povo estava João, não! ele não estava comprando nada, andava a esmo levando encontrões dos apressados, mas bem que João gostaria de estar comprando presentes também.

Aquele homem andava sem destino, parava nas vitrines das lojas, olhava roupas, calçados, perfumes, mas nenhum vendedor vinha perguntar “posso ajudá-lo?”, também com aquela vestimenta de morador de rua, ninguém iria atende-lo mesmo (preconceitos). A tarde amorenava o dia, e se espraiava no horizonte, assim o anoitecer mansamente foi chegando, e trazendo um ventinho gostoso, e aos poucos as ruas foram se esvaziando, o vozerio acabando, a maioria das lojas encerrando atividades, afinal faltavam poucas horas para o Natal. João não foi convidado por ninguém para cear, também nem amigos tinha, seria uma noite como outra qualquer. Perambulou por várias ruas, finalmente todas as lojas encerraram o expediente, a claridade somente das luzes dos postes, e das casas onde as famílias se preparavam para a ceia. João tratou de procurar um lugar para descansar seu corpo cansado de tanto andar pela cidade, em seu saco de guardar coisas, tinha um sanduiche, uma garrafinha de refrigerante, e uma maçã, que havia ganhado de uma bondosa senhora, essa seria a sua ceia, e ele estava agradecido por ter o que comer. Foi andando, afastou-se das casas iluminadas e festivas, encontrou um cantinho onde passaria a noite.

Mas, afinal quem era o andarilho João? Ele não era um qualquer, foi um medico de prestígio, casou com uma linda mulher, viviam felizes. Planejaram ter um filho, mas com o passar do tempo constatou-se que ela não conseguia engravidar, João ficou frustrado por não ter a oportunidade de ser pai, porém um amigo sugeriu uma adoção, o casal gostou da ideia, e não demorou adotaram um menino recém-nascido, o nome escolheram de comum acordo Frederico, cujo significado do nome é aquele que garante proteção, e indica uma pessoa que luta com firmeza e energia para realizar seus ideais. Não desanima diante de nada e procura sempre animar seus companheiros a ter a mesma atitude positiva em relação aos obstáculos, e por se tratar de nome bíblico buscaram essa informação na Bíblia, e encontraram a definição como: “"rei da paz", "príncipe da paz", “o que governa com paz". O menino cresceu cercado de amor e carinho, João era louco pelo filho. Quando foi para a escola o menino revelou-se um bom aluno, e dizia que queria seguir a carreira do pai, ou seja, ser médico também; aos 18 anos ele ingressou numa Faculdade de Medicina, porém, foi necessário mudar, não só de casa como de cidade e Estado, foi estudar em Minas Gerais. Frederico voltava pra casa somente no período das férias. Quando voltava a alegria imperava, João não desgrudava do seu “menino”. Fim de férias, de volta à rotina, e vida que segue. Doutor João trabalhava muito, tinha consultório próprio, e atendia em dois hospitais, muitas vezes tinha que sair correndo de casa para atender um caso urgente, a esposa invariavelmente ficava sozinha, e para não bater solidão começou a sair com as amigas, esposas ou noivas de outros médicos, encontravam-se em shoppings para compras, ou um barzinho para bater papo, até mesmo jogar cartas na casa de alguma amiga. Certo dia aconteceu o que não devia acontecer, num barzinho com as amigas conheceu alguém que a impressionou, e da amizade surgiu o “algo mais”. Numa tarde, João teve duas consultas canceladas, resolveu voltar para casa mais cedo, antes não tivesse ido, flagrou a esposa na cama deles com outro homem. Foi o fim. Naquele mesmo dia João desnorteado saiu de casa, só com a roupa do corpo, e nunca mais ninguém soube dele. Frederico tomou conhecimento de todo caso, não discutiu com a mãe, mas já não ia mais para casa nas férias da Faculdade. Os anos se passaram Frederico se formou Médico, e na colação de grau João não esteve presente, porque perambulava perdido nas ruas de qualquer cidade. Agora lá estava ele, sozinho como sempre, às vésperas de mais um Natal. A noite chegou, e a fome também, então, João comeu seu sanduiche, tomou o refri, e de sobremesa a maçã, esticou o corpo no duro chão, acomodou-se num surrado cobertor e dormiu.

No dia seguinte, era Natal, ele seguiu andando até uma grande praça, onde avistava a Igreja Matriz da cidade, sentou num banco e ficou vendo o ir e vir das pessoas. De repente uma criança se aproximou dele oferecendo pipoca, porém, em seguida chega o pai do menino, meio zangado com o filho, porque se afastou sem permissão, e ainda estava falando com um estranho. João com a cabeça baixa, ouviu a voz daquele pai, sentiu um sobressalto, levantou a cabeça, e os olhares se cruzaram, ficaram sem ação, como se estivessem hipnotizados, até que aquele homem com olhos marejados, coração acelerado, diz à João

─ Pai! é o senhor Pai? Foi impossível João conter as lágrimas também, balançou a cabeça positivamente e disse:

─ Frederico, meu filho! Sou eu Frederico, sou eu seu Pai!

Se abraçaram e choraram o tempo que o tempo quis.

Abraçado ao seu Pai Frederico entendeu a mensagem que o Padre disse ao terminar a missa, a qual havia participado

“Idem em paz, hoje Cristo tem um propósito especial para cada um de vocês!”

O propósito do Dr. Frederico foi encontrar seu pai Dr. João, e do menino João Neto

encontrar, pela primeira vez, seu avô.

19/12/2023