Natal

Todo o lixo produzido em decorrência dos festejos natalinos foi empurrado para fora desta que antes havia sido uma atmosfera de cristal. Da minha casa mesmo, do meu asilo há pouco ainda festivo.

Definitivamente, uma coxa de peru apodrecida e encharcada de detergente de pia, alguns pedaços de frutas cítricas, latinhas de cerveja, amassadas e afogadas no resto do salpicão que azedou inadvertidamente, uma garrafa de vinho doce, defenestrada justamente na hora de buscar o gelo na cozinha — não fazia parte do contexto ambicionado —, algumas porções declinadas de rabanada e, talvez, um ou outro doce desconhecido que tivesse uma má aparência, justificando assim, quem sabe, o seu descarte. O resto eu não vou dizer que é lixo.

Eu não vou dizer que é lixo aquela Sidra que eu não lembro quem me deu no trabalho, deixa aí, quando o porteiro aparecer, eu faço um embrulho bonito e pronto. Os ramos de pitanga murcharam; quem ainda compra canivete Suíço, tem louco pra tudo...

Fora a minha cara torta e o cabelo amassado estilo Emo que um bom banho acaba resolvendo, o que sobrou de ontem vai ainda conviver comigo por um tempo. Talvez, entretanto, eu desça logo e, perfilado, cumprimente a todos que encontrar evitando a postergação de colóquios nauseabundos, característicos de eventos desse tipo.

Não quero abrir a geladeira receio que esse cheiro horrível é do peixe que não congelei, sei lá, fica pra amanhã, vou arrancar logo esses enfeites da parede... não adianta, só tem panetone; não sobrou um gole sequer de Coca-Cola com gás e, pra piorar, hoje é feriado! Espera aí, eu não quero refrigerante, não quero mais panetone, me arranja, em vez disso, uma media e pão fresco, vai!

Parece que vou ter que passar o dia todo tentando imaginar que hoje é amanhã, o telefone não toca; cadê o relatório que eu lhe pedi?; hoje à tarde temos reunião com os coreanos, aqueles mesmos que estão analisando o nosso pedido de franquia...

Dentro do vaso sanitário, as coisas estão na mesma, pouco movimento; se o mundo nesse momento parasse para prestar atenção nas coisas de dentro do vaso sanitário, provavelmente não houvesse nada que surpreendesse, mas poderia, por exemplo, ver a minha cara lá dentro, estabelecendo conjeturas.

Masé Quadros
Enviado por Masé Quadros em 26/12/2023
Reeditado em 26/12/2023
Código do texto: T7962510
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