Uma crônica de saudade

Uma crônica de saudade

O calendário marcava – 27 de agosto. Um pequeno grupo de amigos, talvez em função desta data, data indiferente para multidões, mas significativa para eles, evocava momentos passados, relembrando a importância de uma vida que sucumbiu diante da morte, há dois anos atrás, exatamente nesse dia.

Aos poucos, fui deixando meu pensamento voltar ao ontem, revendo situações e momentos que traziam diante de mim o retrato vivo daquele que era lembrado com tanta admiração.

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Seu corpo franzino, ágil e dinâmico, constratava com uma enorme força interior ...

Em seu rosto pequeno, pontilhavam grandes olhos azulados que pareciam se projetar para além do presente, buscando desvendar os dias de amanhã...

A voz cadenciada, soava quase como uma canção embalando os sonhos que procurava cultivar e dar vida, sonhos que se alimentavam do desejo em implantar a Justiça e o Amor, num mundo escravizado pelo egoísmo ...

Gestos longos e largos acompanhavam sua fala como se buscassem sublinhar as palavras que ia pronunciando com vigor e entusiasmo...

Continuamente era solicitado pelos países mais ricos e poderosos, para proferir palestras e fazer conferências sobre os mais diversos e complexos temas ...

Era humilde e simples ...

Coberto de títulos honoríficos e de medalhas de mérito, obtidos internacionalmente, continuava a sentar-se na cadeira do botequim da esquina para, ao lado de anônimos que ele considerava irmãos, tomar em muitas manhãs sua média de café com pão...

A todos atendia, com um contido sorriso paternal, demonstrando seu interesse pelas agruras daqueles que o procuravam em busca de auxílio...

Ninguém saía de junto dele, com coração vazio: se não fosse possível resolver o problema que lhe era apresentado, oferecia o conforto da esperança, reascendendo nas almas, o ânimo para prosseguir a caminhada ...

Foi incompreendido por alguns, foi combatido por muitos.Jamais transformou a perseguição oculta ou ostensiva tantas vezes sofrida, num altar de sacrifício que lhe conferisse o papel de vítima...

Simplesmente prosseguia serenamente a transmitir a mensagem salvífica, mensagem que fazia questão de ressaltar ser apenas o veículo e a profetizar com sua perspicácia as dificuldades futuras que todos iriam enfrentar, caso os homens não se voltassem para Deus...

Ensinava com o exemplo de sua vida, vida alimentada na oração contínua.

A total entrega nas mãos da Providência, era o manual que lia diariamente com renovado fervor.

Era um homem de Fé e de Ação.

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Pouco a pouco minha atenção foi novamente integrando-me ao grupo, quando então, ouvi um companheiro de saudade exclamar : “hoje ele é apenas uma placa de rua!”

Retruquei então com certeza inabalável: “placa que num futuro não muito distante vai sofrer uma alteração em seus dizeres pois no lugar de Avenida D.Helder Câmara, estará escrito: Avenida São Helder Câmara.”

E assim, envoltos por esta perspectiva por todos assumida com serena alegria, o grupo dissolveu-se, encerrando o encontro.

Agosto,2001

Eda Basson Meira
Enviado por Eda Basson Meira em 29/12/2007
Código do texto: T796187