Torpor
Gente é como terra. São feitos de terra.
Se morrem 20 mil na lava do Don Ruiz, nascem outros tantos e ninguém liga.
Se afogam na enchente, ateiam fogo em si mesmos, tomam cicuta coletivamente ou são bombardeados por engano.
Sou da década de 80. Fui criança lá e vi as maiores atrocidades que já existiram no nosso tempo fora das guerras.
Pessoas morrem! Morrem as pencas, sem que saibamos quem são.
Morrem porque é a coisa mais fácil de acontecer para quem vive.
E por mais que sobrem outros, e sobram, falta quem daqueles se lembrem.
Se eu morri de Aids ou colateralmente em uma explosão na Nicarágua, tanto faz.
A vida só faz sentido real em nós.
Sentir o milagre do corpo, melhor para Édith em La vi en rose que para Lady Gaga.
Sentir a vida, é apenas isso.
Nem um invento, nenhuma verdade, nada.
Estou agora no corpo de uma camponesa soterrada no chile em um daqueles sacolejos.
Nunca a acharam. Quem foi ela que morreu tão solitária?
Posso ver e sentir cada morto no exato momento da ida.
Sei de cada dor que sentiram, mas não com sofrimento ou pesar.
Sinto a vida se esvaindo apenas.
Algumas simples e doces almas se deixando suspirar.
Outros tantos em medo revoltoso por serem destituídos do poder de argumentar.
Talvez a morte seja para muitos que a recebem uma desgraça bem maior por não permitir que sigam opinando sobre as coisas.
Acabaram as fichas , o bar fechou e nunca mais abrirá!
Alguns ficaram aqui comentando e dividindo as sobras do festim, reciclando cada morto, sem sequer saberem seus nomes.