O segredo do anjo
Numa manhã qualquer, de uma semana comum, eu a olhei nos olhos e falei com toda a minha convicção: “Você sabe que é um anjo, né?!” Ela riu de mim. “Sou anjo nenhum, não”, rebateu com aquela ginga baiana.
Taí a graça dos anjos disfarçados: nem desconfiam da verdadeira natureza. Mas não é tão difícil reconhecê-los. Podem ter diferenças sutis de nós, como um certo brilho no olhar, ou mais explícitas como seis dedos em cada mão.
Frequentemente são considerados estranhos. Afinal, têm uma compreensão muito mais profunda da vida, ignorando o senso comum. Mas nos enganam legal, com um vasto repertório de defeitos bem mundanos.
Aqui na Terra podem ter aparência feminina, masculina, andrógina; serem altos, baixos, pretos, brancos, “coloridos”; liberais, caretas; jovens, velhos; cultos ou ignorantes (no sentido clássico). Eles aparecem fisicamente quando você mais precisa.
Uma dessas criaturas “apareceu” na minha vida em 2013, quando eu estava grávida de 8 meses, com uma outra criança de 4 anos para cuidar, numa cidade nova sem nenhuma rede de apoio, quase.
Desde então, ela cuida da minha casa e da minha família como se fossem dela. E são! É meu cérebro fora do corpo; meu HD externo. Lembra de senhas, aniversários, da comida preferida de todo mundo.
Ontem completou 38 anos dos 200 que pretende viver (e não duvido que consiga).
Que siga plantando sementes (como adora dizer), espalhando otimismo, versículos da Bíblia e conceitos de educação financeira. Que esbanje saúde, multiplique sua ética e que seja ainda mais próspera em todos os campos da sua vida.
E me desculpa ter contado aqui seu segredo (tão secreto que nem você sabia). Mas anjo não tem direito à privacidade, não. O sagrado é de domínio público.
“Tratava-se realmente de um anjo. Não sei se arcanjo ou querubim, não entendo de hierarquias, mas indubitavelmente, inconfundivelmente, um anjo.” — Caio Fernando Abreu