Enchendo o vazio
Quando escrevo, me desprendo. Me lembro daquilo que quero esquecer, e me lanço em um abismo de palavras que me serve de refúgio para aquilo que pretendo ignorar, ainda que pela brevidade de um instante, as agruras da vida. Escrever é escapar da realidade mundana, encontrando no jogo de palavras alguma forma de transcendência.
A música nos embala, as artes visuais nos animam, as artes vivas, como a dança e a representação teatral, nos entretêm. Todas essas formas de expressão artística se entrelaçam com a vida, algumas utilizando fórmulas visíveis e vitais, outras dançando ao ritmo da própria vida humana, como anjos que nos fazem ver a Deus através de detalhes mínimos que nos levam a mudar o olhar, sem alterar, contudo, a paisagem.
Entretanto, a literatura é uma criatura diferente. Ela se afasta da vida, não para dançar com ela, mas para tecer uma simulação hiper-realista. Um romance, é uma narrativa sobre o que nunca foi, uma construção elaborada de personagens e eventos que jamais pisaram o solo deste mundo. Um drama, por sua vez, é um romance desprovido de uma narrativa linear, entregue de bandeja para que nossas mentes o decifrem, mas em qualquer hipótese, são realidades instaladas, sensíveis ao coração, capaz de fazer corar os mais céticos.
O poema é a expressão destilada de ideias, envolta em uma linguagem que ninguém, em sua cotidianidade, ousaria proferir em verso. É uma dança peculiar das palavras, um jogo intrincado de sons e significados que desafia a linguagem comum. É a dança fora do tempo que marca o ritmo da trivial da comunicação diária. Mas cada um dança à sua maneira, e no mais das vezes, todos acertam o passo.
Escrever é esquecer, é se enganar na alvorada de uma vida simulada. É um espelho distorcido que nos permite contemplar a vida através de lentes outras, que tornam a imagem mais bonita, mais colorida, ou, no mínimo, capaz de dar alento à quem nela buscou esperança.
Eis a sua melhor arte.