Buteco de criança
Era o último dia de carnaval. Havia ao lado da mesa um engradado cheio de cascos vazios de Malt 90 e mais um que em pouco tempo chegaria na metade. A mesa, na verdade, eram duas que juntaram para caber todo mundo, uma coberta com uma toalha verde e a outra com uma toalha vermelha e, por cima, aquele plástico transparente grosso que ficava colando no braço e às vezes dava umas dobras que deixavam o copo meio tombado. Uma travessa de alumínio, daquelas típicas de bar, com uma porção de jiló frito, outra com uma porção de iscas de fígado com muita cebola e uma terceira com uma boa quantidade de torresmo. Sentados sobre as pesadas cadeiras de madeira, uns usavam calças jeans e camisas desabotoadas mostrando os pelos do peito ou um cordão de ouro, outros ainda usavam a mesma fantasia que já estavam usando desde o primeiro dia, já bem suada, suja, rasgada e faltando alguma parte. Das pequenas caixas de som quadradas penduradas nas paredes vinham, entre chiados, as últimas marchinhas e sambas-enredo daquele ano.
Entrei no bar, cutuquei o ombro do meu pai, ele falou para eu pegar o que quisesse, se virou e voltou a conversar com os amigos. Pedi uma daquelas coxinhas que vêm com osso e um Grapette. Quando acabei de comer, pedi para sentar na mesa também, mas meu pai me disse que ali não era lugar para crianças, pois só tinha adultos e só conversa de adulto, me deu um pouco de dinheiro e falou para eu ir jogar no fliperama do lado. Tá aí uma coisa que eu gostava! Ficava horas jogando sem enjoar enquanto esperava por ele.
Sempre que eu chegava no fliper, já ia comprando um monte de fichas. Entregava o dinheiro todo que meu pai tinha me dado para o homem do caixa e ele me dava uma quantidade tão grande de fichas que os dois bolsos da minha bermuda ficavam cheios e, quando eu andava, elas faziam uma barulheira danada. Eu começava a jogar sozinho, meus jogos favoritos eram os de luta e os de corrida, mas depois sempre encontrava um filho de algum dos amigos do meu pai ou uma outra criança que estivesse querendo jogar na mesma máquina que eu estava e a gente começava a conversar enquanto jogávamos juntos. Fiz muitos amigos assim. Às vezes eles iam comigo até meu pai e ele pagava lanche para todo mundo.
Neste dia, porém, o fliper estava fechado e os meninos estavam todos sentados nos degraus que ficavam em frente. Sentei lá também e fui me enturmando, conversamos por horas. Naquela época as crianças faziam isso, era o nosso buteco.
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