a vida não é útil _ BVIW
Nunca antes tivemos tantas facilidades tecnológicas que nos libertam de tarefas enfadonhas e nunca tivemos tão pouco tempo livre. Tão viciados estamos em trabalho como marca de identidade, status e validamento social, que não só não sabemos o que fazer com o tempo livre como preferimos preenchê-lo com mais trabalho. A aposentadoria virou um fantasma e um estigma. Prolongamos ao máximo a permanência nos nossos empregos porque a vida sem eles é assustadora. O filósofo coreano Byung-Chul Han no seu livro "Sociedade do Cansaço", fala com propriedade sobre esse novo jugo que tomamos para nós, esse imperativo interno que nos torna algozes de nós mesmos: o do trabalho ininterrupto acoplado à uma falsa sensação de liberdade. Ele diz que foi a conquista de uma tranquilidade em relação à sobrevivência o que permitiu ao homem desfrutar do ócio contemplativo. E que somente nesse estado somos capazes de exercer a criatividade que produz filosofia, ciência e arte, matérias que são a marca maior da nossa humanidade. A vida não é útil, diz Ailton Krenak. A vida é celebração, mistério a ser pensado e cantado, dançado e poetizado. Que usemos então nosso tempo para esse exercício de fecundidade contemplativa. Meditemos sobre o sentido da existência enquanto o olhar se perde nos contornos e movimentos do mundo ao redor. Tiremos algumas horas dessas vinte e quatro ao nosso dispor apenas para vivenciar um nada rico e profuso. Recuperemos, enfim, a habilidade de fazer aquilo que, na sua excelência, nos torna verdadeiramente humanos.