Estava descendo uma rua em Belo Horizonte quando um senhor que vinha atrás começou a conversar comigo e com meu marido. Ele vestia camisa e calça social, carregava consigo uma pasta de couro sob o braço. Disse que morou nos Estados Unidos por muitos anos quando jovem e pediu para que adivinhássemos quem ele viu por lá. Quando não acertamos, abriu sua pasta e pegou uma foto. Apontou o rapaz ao lado do Pelé. "Este sou eu com o rei."
Enquanto caminhávamos a passos lentos, ele ia contando sua vida. Disse que frequentou o mosteiro por um tempo; seu pai queria que se tornasse padre, mas ele desistiu. Disse que fez de tudo nesta vida, mas que ainda assim pensa no que teria sido se tivesse continuado no mosteiro. "Decepcionei meus pais."
Mostrou a foto de uma moça bonita, bem arrumada, seu amor, sua esposa. Casaram-se quando jovens e ainda estavam juntos depois de décadas. Seus olhos ficaram marejados quando mostrou a outra foto: sua esposa acamada, magra e definhando num leito, sem o mínimo brilho daquela jovem que outrora fora. Tinha Alzheimer e já não o reconhecia; estava numa instituição apropriada e ia visitá-la sempre, mesmo que ela não falasse e não o reconhecesse.
Falou de seus sonhos e do quanto pôde realizá-los. Viajou para muitos lugares, conheceu diversas pessoas. Apontou para um prédio grande que ficava do lado oposto ao qual estávamos e disse que já ocupara uma cadeira como escritor naquele prédio; era poeta. Tirou da sua pasta algumas poesias e nos deu para ler, uma delas em homenagem à sua esposa. Lindas poesias, todavia, nenhuma publicada em livro físico, apenas impressas e guardadas, papel amarelado e desbotado pelo manuseio. Disse que esse sonho de ser publicado ficou ao léu. Perguntamos por que ele não escrevia uma autobiografia, já que possuía uma história de vida tão recheada de passagens interessantes; ele disse que até queria, mas não sabe se tem energia para isso.
Com tantos sonhos realizados, com alguns que ficaram pelo caminho, senhor Celso agora só tinha um: ter sua esposa de volta, aquela que ele tanto amou, morta ainda em vida. Fiquei pensando o quanto os sonhos são importantes em nossa vida, o quanto nos impulsionam, o quanto nos faz ter esperanças, mas também o quanto nos frustram, quantos sonhos sabemos que não podemos realizar, quantos sonhos somos obrigados a deixar para lá e fingir que nunca existiram.
Seu Celso se despediu com um aperto de mãos e seguiu seu caminho; eu fui em direção ao meu: entrei no Edifício Maletta para ir atrás do meu sonho, procurar livros nos sebos, passar horas garimpando histórias que ainda não li e, um dia, montar minha própria biblioteca que terá também livros de minha autoria.