Três professores bissextos e seus alunos.
Estamos nos primeiros dias de Dezembro de 2.023.
É Vinicius um homem já entrado na casa dos entas. Conta com o privilégio de possuir um bom organismo, que lhe confere um tipo físico vigoroso, natural, e excepcionalmente taurino. É ele um portento de sua raça.
Uma das suas quatro sobrinhas, Laura, mocinha de treze anos, aluna da oitava série do ensino fundamental, pediu-lhe ajuda em Matemática.
Foi esta a conversa de tio e sobrinha durante um café-da-manhã na casa dos pais dele, avós maternos dela: "Tio, não passei de ano. Fiquei de réqui em Matemática. Para passar de ano preciso tirar seis na prova, que será depois de amanhã. Você me ajuda a estudar?" "Sim. Amanhã à tarde terei duas horas livres. Pode ser?" "Sim. Pode. Vou avisar minha mãe." "Diga-lhe que estarei lá às quatro da tarde."
No dia seguinte, tio e sobrinha, na casa da mãe dela, Cláudia, irmã dele, após uma filial conversa entre os irmãos, foram à mesa da sala-de-estar e sobre ela esparramaram livros, cadernos, canetas, lápis, folhas de sulfite, e trataram, e logo, de iniciarem a aula, que se estendeu até um pouco antes das sete da noite.
Não nos são interessantes todas as palavras que eles trocaram; de tantas são, para não me alongar nesta crônica, um piruá, que merece desenvolvimento melhor, trabalho que neste momento não me comprometo a empreender, prendo-me às que ilustram um fenômeno comum.
A partir do parágrafo que se segue a este, que estou para encerrar, transcrevo, o mais fielmente que posso, as falas dos dois protagonistas deste capítulo da história da nossa sociedade acompanhadas de alguns, poucos, comentários, os que entendi apropriados.
"Qual é a raiz quadrada de 144?", pergunta o tio à sobrinha. "Raiz quadrada?!" "Sim. Qual é a de 144?" "É... Como que é raiz quadrada?! Divide por dois?! Menos?! Mais?!"
Diante da confusão de sua sobrinha, com paciência que faria a inveja de Jó, Vinicius explica as regras do cálculo da raiz quadrada; para expôr um cálculo, esquecido das lições que seu professor lhe ministrou uns trinta anos antes, recorreu ao livro de Matemática, leu o capítulo correspondente à potenciação e à radiciação, lembrou-se da tal da fatoração, e, respeitoso, e pacientemente, entregou à sobrinha a explicação de que ela necessitava para a resolução do problema em questão.
E segue a aula: "Aqui, Laura, tem você de elevar 8 ao quadrado. 8 ao quadrado dá...?! "Dezesseis?! Tem de fazer continha de mais?! Oito mais oito. Tem um 2, aqui, em cima do oito. Tem de fazer oito vezes dois?!" "Não. Estamos a elevar oito ao quadrado, e não a multiplicar oito por dois. Que conta fazemos quando um número está elevado o quadrado?!" "Menos!?"
E Vinicius, a pensar que palavras usar para não ferir as suscetibilidades de sua sobrinha adolescente, que muito bem lhe quer e que ele quer igualmente bem, discorreu longa e pacientemente acerca das regras da potenciação, dos números ao quadrado, dos números ao cubo, dos números à quarta potência, até que, enfim, a cabeça de sua aluna apreendeu as explicações recebidas.
Pouco depois, após propor algumas questões a envolver potenciação e radiciação, e ela, conquanto tropeçasse aqui e ali, resolvê-las com relativa segurança, Vinicius anunciou o encerramento da aula. Laura, contente, agradeceu-lhe a ajuda, que ele tão abnegadamente lhe dedicara, e recolheu-se ao quarto. Antes de ir-se, Vinicius conversou com sua irmã, e da conversa deles acho por bem destacar este trecho: "Cláudia, como a Laura chegou à oitava série?! Ela mal sabe somar dois e dois!?"
A um quarteirão de distância da casa em que se passou a história que se acabou de ler, estavam, na cozinha, o pai, Gustavo, e seu filho, Maurício, este, preocupado, tenso, a olhar de um lado para o outro, perdido, aguardando o pai encerrar a leitura, de um livro de Matemática, do capítulo cujo tema envolvido é o volume de primas hexagonais. É Maurício, esquecia-me de dizer, aluno do nono ano do ensino fundamental.
Assim que apreendeu a explicação, após uma luta de vinte minutos com as figuras e as fórmulas que o livro exibia-lhe, Gustavo perguntou ao seu filho: "Qual é a fórmula que se usa para calcular o volume de um prisma?!" "Fórmula?!" "A fórmula, Maurício. O professor não passou uma fórmula para vocês, alunos?!" "Passou." "Qual é?" "Não sei." "Veja no livro. Encontre-a. E escreva-a no sulfite."
Após uns três minutos a esquadrinhar perfunctoriamente a página do livro que exibia escandalosamente a fórmula procurada, Maurício, com o indicador direito apontando a fórmula, perguntou para seu pai: "Esta?!" "É, Maurício. É. Está escrito aí, não está, que é essa a fórmula?! Então é essa. Escreva-a no sulfite." Era visível o desconforto e a irritação de Gustavo, que em vão se esforçava, e não pode o leitor imaginar o esforço dele, para em nenhum momento transparecer seus sentimentos. De Maurício não passou despercebido a alteração, embora contida, do tom e da gravidade da voz de seu pai; cabisbaixo, intimidado e constrangido, copiou na folha de sulfite a fórmula correspondente ao exercício proposto. Na sequência, ouviu-se entre pai e filho, aquele professor, este, seu aluno, um diálogo, do qual recorto o trecho mais significativo: "Aqui se vê, considerando a fórmula, que para se calcular o volume de um prisma hexagonal faz-se necessário saber qual é a área da base deste prisma. E qual é a área da base do prisma hexagonal, Maurício?" "Não sei." "Calcule-a." "Como?!" "Com a fórmula que se usa para calcular a área da base de um prisma hexagonal." "Esta." "Não, Maurício, não. Esta é a que se usa para calcular o volume do prisma hexagonal." "Não sei qual é." "Quantos lados tem a base de um prisma hexagonal?" "Não sei." "Qual figura geométrica plana representa a base de um prisma hexagonal?" "Triângulo?!" "Não, Maurício. Olhe a figura. O prisma hexagonal tem seis lados, não tem?" "Tem." "Então a base do prisma hexagonal tem quantos lados?" "Quatro?!" "Maurício, aponte-me a figura do prisma desenhado no livro." "Aqui." "Aponte a base do prisma." "Aqui." "Quantos lados tem a base?" "Não sei." "Conte-as." "Um, dois, três, quatro, cinco, seis. Seis?!" "Sim. Seis. A base de um prisma hexagonal tem seis lados. Então, que nome se dá à figura geométrica plana de seis lados?" "Retângulo?!" "Hexágono, Maurício. E qual fórmula se usa para calcular a área de um hexágono?" "Esta?" "Não. Esta se usa para calcular o volume do prisma de seis lados." "Não sei." "Procure-a no livro. Ela está próxima da figura." E após um minuto procurando pela tal fórmula, encontrando-a, apontou-a: "Esta?!" "Sim. Esta. Escreva-a no sulfite. E use-a para calcular a área da base do prisma." "Aqui... Escrevi..." "Continue." "Aqui é doze vezes dois?!" "Não. O doze está elevado ao quadrado." "Doze vezes doze?!" "Sim. Um número elevado ao quadrado é o mesmo que o número vezes ele mesmo. Faça a conta." "Doze vezes doze?!" "Sim. A base é doze; o expoente, dois; então, multiplica-se doze por doze." "Multiplicar?!" "Sim. Tem de fazer uma conta de multiplicação." "Multiplicação?!" "Sim. Conta de vezes. Quanto dá doze vezes doze?" "Não sei." "Faça a conta." "Oitenta?!" "Que oitenta, Maurício?! Você nem montou a conta. Monte-a." "Assim?" "É. Quanto dá? Qual é o resultado?" E durante dois longos e enervantes minutos deteve-se Maurício a multiplicar 12 por 12. Ao concluir a tarefa, apresento o resultado ao seu pai: "Está certo?!" "Mil e duzentos e vinte e quatro?! De onde você tirou esse número?!" "Daqui. Doze vezes doze." "Que conta você fez?!" "De vezes." "Dá cento e quarenta e quatro."
A aula seguiu nesta toada durante duas horas, o pai a explicar ao filho os fundamentos das quatro operações aritméticas. Ciente de que de nada adiantaria estender a aula, tampouco exigir de seu filho atenção, que ele não conseguia manter, com ele combinou seguir com a lição no dia seguinte.
Nos dois dias que se seguiram ao primeiro de aula, Gustavo, para surpresa de si mesmo, conservou-se calmo, e com paciência que ele jamais suspeitou possuir enfiou na cabeça de seu filho os ingredientes fundamentais da aritmética, e só então enveredou pelos capítulos do livro que teria Maurício de estudar para o exame que se daria dali quatro dias. A nota que Maurício obteve não lhe era o suficiente para passar de ano: faltou-lhe um ponto para atender ao mínimo de que necessitava. Os professores, reunidos, reconheceram o esforço de Maurício, e decidiram, por unanimidade, presenteá-lo com o ponto que lhe restava, e ele pôde, então, dali uma semana, com os seus condiscípulos comemorar a sua formatura.
A dois quarteirões de distância da casa de Gustavo, caminhavam, tranquilamente, pela calçada da rua Padre Feijó, Marcela e Juliana, sua filha, aquela mulher madura, na altura de seus quarenta anos, esta, mocinha de treze, esbelta, pacata, de traços fisionômicos suaves, meiga. Palestravam acerca das roupas que haviam comprado na loja da qual se retiraram dois minutos antes e dela já distantes uns cem metros quando depararam-se com Patrícia, amiga de Marcela desde os tempos de juventude, ambas condiscípulas, no crepúsculo do século XX, nos três anos do colegial. Saudaram-se as amigas, que há uns dois meses não se viam e que tinham notícias uma da outra unicamente pelas redes sociais e por aplicativos de mensagens, com beijos no rosto, mal encostando uma no rosto da outra os lábios, os de Patrícia coberto de batom vermelho-sangue, os de Marcela naturalmente descoloridos. E assim que saudou a sua amiga, Patrícia dedicou a sua atenção à Juliana, saudou-a com um caloroso abraço, pegou-lhe, suavemente, pelo queixo, louvou-lhe o belo rosto, segurou-lhe com a mão direita a mão direita, e fê-la girar uma vez sobre os próprios pés enquanto lhe elogiava o belo talhe esbelto e a textura da pele, macia, sedosa. Juliana, encabulada, sorria, levemente ruborizada. Eloquentes, Marcela e Patrícia sobrevoaram temas sem fim e num certo momento da conversa Patrícia falou-lhe que teria de ir à casa de Ana Lúcia, sua irmã, para ministrar uma aula de Matemática e uma de Física à sua sobrinha, Júlia, aluna do colegial: Júlia enfrentava, disse, dificuldades de monta com estes e aqueles capítulos das duas disciplinas; repetiria de ano se não obtivesse 6 em Matemática e 5 em Física. Ao ouvir tais palavras, lembrou-se Marcela de que Juliana também estava em maus lencóis, e pediu, encarecidamente, à Patrícia, que ela lhe desse uma aula de Matemática. Patrícia não se fez de rogada. Combinaram no dia seguinte estudarem, à tarde, na casa de Patrícia. E assim foi. No dia seguinte, um pouco depois do almoço, Marcela deixou Juliana, então sobrecarregada com uma tonelada de livros e cadernos, na casa de sua amiga, e foi à loja de roupas onde trabalhava. Professora e aluna, após uma troca de palavras, entraram a folhear livros e a espalhar sobre a mesa lápis e canetas e borracha e calculadora e folhas de sulfite e livros e cadernos. E tão logo apresentou à sua professora uma equação para cuja resolução envolvia Mínimo Múltiplo Comum e disse-lhe não saber o que teria de fazer para resolvê-la, ela lhe disse: "Juliana, neste caso tem você de fatorar os três denominadores." "Denominadores?! O que é "denominadores"?!" "O número de baixo das frações, Ju." "Tem de dividir?!" "Você tem de usar fatoração." "Não sei." Na sequência, Patrícia explicou as regras da fatoração, e pediu à Juliana que encontrasse, em quatro exercícios, o Mínimo Múltiplo Comum: no primeiro, de 7, 9 e 20; no segundo, de 12 e 31; no terceiro, de 27 e 40; e, no quarto, de 9, 12, 15 e 17. Juliana ocupou trinta minutos para encontrá-los, a curtos intervalos consultando Patrícia, apresentando-lhe estas e aquela dúvidas. E não posso deixar de dizer - e quase se me escapou tal detalhe - que assim que Patrícia afirmou que se usa números primos na fatoração, Juliana perguntou-lhe: "Número primo?! O que é?!"
Assim que Juliana resolveu os exercícios propostos, Patrícia disse-lhe: "Encontrado o Mínimo Múltiplo Comum dos denominadores das frações de uma expressão algébrica, divide-se ele pelo denominador e o multiplica pelo numerador." "Numerador?! Denominador?!" "Numerador: o número que está na parte de cima da fração. Denominador: o que está na parte de baixo." "E como é que faz?!" "Calcule o Mínimo Múltiplo Comum da primeira expressão." "Tem de pegar os números de baixo do tracinho?!" "Sim." "3, 7 e 9?!" "Sim." "Tem de pôr os três números um ao lado do outro, separados por vírgula, e um traço reto à direita deles?!" "Sim." "Assim?!" "Sim. Continue." "Tem que dividir?!" "Por qual número?" "Dois?!" "Calcule." "3 menos 2?!" "Não. Você tem de dividir todos os três números por dois. Se houver resto nas três contas, o número 2 não servirá, pois o resultado delas tem de ser um número inteiro." "Divide 3 por 2; e 7 por 2; e 9 por 2?!" "Sim." "Dividi 3 por 2. Deu 1; e de resto 1." "Divida, agora, o 7 por 2; depois, o 9 por 2." E após uns minutos a calcular as duas divisões, Juliana informou: "As duas contas têm resto 1." "Então, Ju, os três números, 3, 7 e 9, divididos por 2, não dão número inteiro. O 2, portanto, não pode ser usado. Veja uma coisa, Ju: nenhum número ímpar dividido por 2 dá um número inteiro. Nenhum. Sempre que você tiver, numa fatoração, número ímpar, jamais use o 2 para dividi-lo. Qual dos três números é par?" "Nenhum." "Então, nenhum deles pode ser dividido por 2." "E agora?!" "Qual é o próximo número primo da lista de números primos?" "1?!" "Não. O número maior do que 2." "3." "Então, divida 3, 7 e 9 por 3." E Juliana executou as operações pedidas, e deu à Patrícia as respectivas repostas. "Certo, Ju. 3, 7 e 9 são divisíveis por 3, resultando em número inteiro, sem resto?" "O 3 e o 9, sim; o 7, não." "Continue." "Agora, só com o 7?!" "Não. A divisão do 9 por 3 deu 3; agora, divide-se 3 por qual número primo?" "Três." "Então, faça a conta." E uma vez mais, Juliana montou a divisão de 3 por 3, pondo um 3 na casa do dividendo e uma na do divisor, e encontrou o quociente 1 e nenhum resto. "Deu 1." "Continue, Ju." "Agora, o 7 dividido por 3?!" "Não, Ju. Esta conta você já fez. Deu resto; se deu resto, o 3 não serve. Por qual número primo divide-se o 7?" "5?!" "Calcule. E veremos no que dá." E Juliana armou a divisão de 7 por 5, consultou a tabuada do 5, e concluiu que da conta sobra de resto 2, e disse para a sua professora: "5 não é." "Então, veja se dá pelo próximo número primo." "7." "Calcule." E nesta toada seguiu a aula até que, após idas e vindas sem fim, Patrícia a explicar à sua aluna regras elementares de divisão, subtração, adição, multiplicação, potenciação e radiciação, Juliana escreveu a resposta para o exercício pedido. Na questão subsequente, para multiplicar 100 por 100, Juliana montou a conta, e principiou-a multiplicando o 0 (zero) da unidade do multiplicador pelo 0 (zero) da unidade do multiplicando; e no momento em que começou a multiplicá-lo pelo da dezena do multiplicando, Patrícia, interrompendo-a, perguntou-lhe: "Ju, por que você multiplica 0 (zero) por 0 (zero)?!" "A profe ensinou assim." Ao ouvir tal resposta, Patrícia não pôde evitar a queda de seu queixo. E a aula seguiu no mesmo ritmo do inicio, Juliana a enroscar-se com as operações aritméticas e outras regras matemáticas. Encerrada a aula - e eram, já, quase sete da noite -, Patrícia telefonou para Marcela, e anunciou-lhe encerrada a heróica tarefa. Marcela disse-lhe que iria à farmácia e que esperava não demorar lá - previu que chegaria à casa da Patrícia em trinta minutos.
Enquanto Marcela não chegava, Patrícia e Juliana palestraram e comeram bolachas recheadas e beberam laranjada.
Enfim, Patrícia conversou com Marcela: "Marcela, a Ju, na sétima série, mal sabe divisão, multiplicação, subtração, adição. Potenciação, então... Ela não sabe o que é número primo! Nem o que é numerador... Não acredito que na sétima série..." "Pat, você não imagina a minha luta! Se ela fosse a única aluna assim..."
E aqui encerro a crônica, que, eu disse em uma das suas linhas iniciais, é um piruá que merece ter desenvolvido todo o seu potencial.
Concluída, a crônica está, mas a história da briga de Laura, Maurício e Juliana com a Matemática está longe de acabar.