Salvo pelo pior aluno.
Professor do ensino básico é um "bicho" que está em ameaça de extinção no mercado de trabalho a cada geração que passa. Se está duvidando, vá a qualquer colégio público ou privado e pergunte aos alunos quais deles desejam ser professor escolar.
A verdade é que os sujeitos não se tornam professores, eles nascem com esse destino selado. Digo isso porque a vida sempre me deu sinais de que minha missão seria lecionar. Por exemplo, aos cinco anos, ganhei um quadro de giz, com o qual eu brincava de escolinha com meus primos e continuei assim até minha pré-adolescência.
Hoje, a um passo de me formar, já atuo em sala de aula como estagiário de Língua Portuguesa. E olha, se o professor já sofre uma verdadeira via-crúcis, imagine o estagiário docente... Mas, no fim, a sensação de participar do crescimento pessoal e intelectual dos alunos é muito gratificante.
Lecionar em escolas localizadas em regiões abandonadas pelos governantes é triplamente desafiador, pois você tem que se desdobrar para suprir as carências estruturais, combater o assédio constante da criminalidade e sobreviver ao sentimento constante de insegurança.
Eu já estava ambientado com a turma do turno noturno. Para muitos, aqueles jovens eram desajustados da sociedade, e, mesmo que fossem, ao menos estavam, em teoria, buscando algo com a "hora do Brasil". Muitos ali eram problemáticos e até hostis, mas para mim tudo se resolvia na base do diálogo e respeito. Nunca fui de rivalizar com meus alunos, e acho que isso foi importante para que eles me respeitassem.
Nas semanas de dezembro, notei a ausência frequente de um dos meus alunos — abençoado, porque só Deus na causa dele. Eu sabia, por intermédio de colegas, que ele era envolvido com a criminalidade. Por mais que eu o aconselhasse, parecia não surtir efeito algum. Ele era um aluno regular, inteligente, com um potencial desperdiçado pela vida ilícita e por uma preguiça tremenda. Adorava debater com os colegas. Seu nome era Fernando, vulgo Piau.
No último dia de aula, ele também não apareceu. O conselho de classe queria reprová-lo, mas não seria possível, pois a orientação superior era que nenhum aluno deveria repetir a série. Entreguei os resultados e me despedi da turma com uma mensagem motivacional. Fui para o ponto de ônibus e, como o coletivo estava demorando mais que o normal, chamei um transporte por aplicativo. Assim que entrei e cumprimentei o motorista, ele avisou que havia ocorrido um acidente, e a rota indicada pelo GPS estava completamente congestionada. Ele sugeriu um atalho por algumas ruas alternativas. Perguntei se eram ruas seguras, e ele assentiu.
Em uma dessas ruas, fomos interceptados. Eram alguns rapazes fortemente armados, que nos retiraram do veículo e nos interrogaram com bastante truculência. Tremendo como uma vara verde, argumentei que eu era professor do colégio do bairro e entreguei minha bolsa. Coloquei a mão no bolso para pegar o celular, quando ouvi o som de armas sendo engatilhadas e recebi uma bofetada no rosto. Eles violentamente tomaram meu celular e me obrigaram a desbloqueá-lo. Um dos jovens disse algo no rádio e aguardaram a chegada de outro rapaz.
Fernando apareceu, igualmente armado. Quando me viu, ficou surpreso com a situação. Expliquei-lhe o ocorrido, e ele foi conversar com seus parceiros. Logo depois, me disse que eu poderia estar morto naquele momento. Ele pegou meus pertences, devolveu-os e me liberou. Com a bolsa toda revirada, procurei o papel com o resultado dele e lhe falei que havia passado de ano. Ele riu e falou que estávamos quites, pois eu estava salvo.