A CEIA DE NATAL
O Senhor Venceslau e Dona Olga, cristãos de carteirinha, mantiveram por décadas a tradição de seus antepassados, a ceia de Natal em família, reunindo os filhos na noite em um jantar simples, porém recheado de ternura, harmonia e de alegria. O casal tivera cinco lindas filhas, as diferenças de idades entre elas regulavam assim: da primeira para a segunda era de um ano, da segunda para a terceira também de um ano, da terceira para a quarta idem e, da quarta para a quinta, teve um desvio de percurso, a caçula fora concebida quase dez anos depois.
As beldades foram batizadas em ordem alfabética, Abigail, Bernadete, Carmem, Doralice e Zélia, perceba que a última encerra o abecedário, tal qual a fabriqueta do Senhor Venceslau.
As meninas, com exceção de Abigail, se casaram, como consequência vieram os agregados e os netos para alegrar aquele lar e as ceias que eram sagradas, ano após ano o rito fora cumprido, mesmo após a partida do patriarca. Abigail, com esmero, durante anos organizava os encontros natalinos, cuidava do cardápio, das compras, da decoração e dos sorteios do amigo secreto. Cansados, após o evento, todos se recolhiam às suas casas, menos, claro Abigail, que terminava a jornada lavando as louças.
Com o decorrer do tempo os netos, à medida que cresciam, também se afastavam e, pouco a pouco, em detrimento de outras festas, deixavam de participar das comemorações na casa da avó. Chegara ao ponto de apenas as filhas e seus pares passarem a noite em companhia da quase centenária Dona Olga.
Nos últimos anos, a organização tem sido desgastante para a incansável Abigail, preocupada em agradar a todos e acaba se estressando, tanto que no ano passado ela se aborreceu, jurando que não iria mover um dedinho no próximo Natal.
Mas um ano passa ligeiro, começa janeiro e de repente já é de novo Natal,
Nas últimas semanas, Abigail, pacientemente traçou os planos para a ceia de Natal deste ano. No WhatsApp, no grupo da família, a mulher elaborou várias sugestões, como respostas as negações sempre voltadas às particularidades de cada casal, sem nenhuma opção para a organizadora.
As respostas se resumiam assim:
Bernadete: - “Não, risoto não, ainda mais de camarão, Tavinho não suporta arroz e, além de tudo é alérgico a frutos do mar. Massas também não. Ele segue uma dieta rigorosa depois do infarto. Parece que você ainda não aprendeu.”
Carmem: “Biga, minha querida irmãzinha, você tá cansada de saber que o Astolfo detesta carne de peru, bacalhau e outros animais. Você, depois de tantos anos, parece que ainda não conhece o Astolfo. Ele é vegetariano, pô!”
Doralice: - “Queridinha, pelo amor de Deus, não use nenhuma bebida alcoólica nas receitas e não se esqueça, não quero que sirva nenhum liquido com conteúdo etílico. Deus me livre, você sabe muito bem da situação do Bezerra, ele dá muito trabalho se ingerir álcool.”
Zélia: - “Biga, não sei com quem irei ao jantar, você sabe que a minha separação com o Edu é recente, mas ele insiste em me acompanhar para confraternizar e dar um abraço na mamãe. Por outro lado, estou de namorado novo e pretendo leva-lo ao jantar, Não se preocupe, o Julinho não liga para essas coisas de Natal, ele é ateu.”
Como ninguém mais se preocupara com o que a irmãzinha prepararia, a chegada da noite de Natal é inadiável. Sabedores que o horário para a ceia é há décadas sagrado, os quatro casais chegam todos quase a que o mesmo tempo. Cumprimentam a matriarca acompanhada pela cuidadora, mas sentem falta do baluarte Abigail. Estranham que não há nada preparado. Neste instante os celulares das irmãs recebem uma mensagem no grupo, era Abigail: - “Minhas irmãzinhas queridas, estou de boa com amigas numa ceia do Clube das Mulheres Solteiras! Seguem os dados de alguns aplicativos de fast-foods, façam suas escolhas. Feliz Natal a todos!”