O DISCURSO QUE NÃO FOI LIDO
Entre as minhas reminiscências de adolescente há uma que me deixou um pouco frustrado por uma ação que eu fiz, embora não visasse louros imediatos, foi o pedido do Diretor do Ginásio da nossa cidade, o qual veio me pedir que escrevesse um discurso para ser lido numa festa de confraternização a uma professora aposentada e que ira chegar à nossa cidade em breve. Na hora fiquei muito sem entender como entender aquele pedido repentino e justamente para mim, que nunca tinha ouvido falar nesta pessoa. E foi a síntese do seu pedido:
- "Nesta homenagem, além de cânticos, poesias, precisamos inicialmente de um discurso laudatório, tecendo as inúmeras qualidades da homenageada de maneira mais elogiosa possível. Como sei que você gosta muita de escrever e inclusive foi escolhido para ser o orador da sua turma no dia da colação de grau, não tive dúvidas sobre esta escolha. Você aceita fazer este grande favor?"
Só faltou ele me falar a famosa frase: "Não aceito um Não como resposta!". Mas não precisou. Como não costumo agir assim, aceitei a tal incumbência e a seguida, comecei a minuta do referido discurso. E como toda escrita o mais difícil é começar, isto não fugiu da tradição. Como estava difícil, apelei para fazer uma pequena pesquisa aleatória com umas pessoas mais idosas como era aquela professora que seria homenageada por nossa cidade. E cada um falava uma faceta da sua personalidade e isto, ao invés de me facilitar, deu foi um "nó" no tal discurso nem havia começado. E o tempo estava passando. Neste ínterim, encontrei com o Diretor e este reforçou o pedido, dizendo:
- "Como está o discurso para a festa da nossa professora?"
- Estou escrevendo, mas ainda não terminei - inventei na hora esta mentira inofensiva.
Entre um folguedo e outra atividade que minha família pedia, fui "cozinhando o galo" como se costumava dizer. E quando me sentava para começar o referido discurso o fio do novelo não encontrava. Finalmente, quando estava chegando o dia daquela professora chegar, não tive outro meio a não ser fazer um grande esforço e escrever duas páginas enaltecendo aquela pessoa que eu não conhecia e aquilo não me deu assim nenhuma satisfação, apenas estava cumprindo uma obrigação, pois já tinha dado a minha palavra que iria escrever aquela homenagem. Quando finalmente chegou o grande dia, a conversa que ouvi de terceiros foi que aquela festa tinha sido cancelada, pois a professora tinha ficado doente e não viria mais à nossa cidade. Agora você me pergunta se aquele Diretor veio me perguntar do imponente discurso que ele pediu que eu escrevesse? Do modo como foi elaborado, quase à luz de vela, ficou guardado pois não precisou ser lido. Muito tempo depois, quando passei por aquele Diretor na rua, como se não visse, quase que lhe faço esta pergunta:
- E aí, Diretor, vai precisar de outro discurso?
Preferi o silêncio. Afinal, "águas passadas não movem moinho".