PROUST. ROTINA. VIVER REALMENTE.
Marcel Proust viveu uma grandiosa literatura em toda sua vida. É difícil nos dias de hoje, debruçando sobre obra de tanto crivo, em passeios na magia dos livros, nas habituais visitação dos costumes reportados, onde era mestre singular, não pasmar-se.
Crítica de não aceitação à sua obra inexiste, mas de compreender seu universo singular é um alarde.
Compreender é um gesto de personalidade sofisticado, muito mais em nossos dias onde a educação é praticamente nula. Não se distingue o que seja ciência de mera opinião, do popular “achismo” tão vulgarizado como nos chegou do desaparecido Umberto Ecco, o grande semiólogo. Ficam as permanências sociais imutáveis, as vezes extravagantes para o desaparelhamento.
No tempo de Proust era diferente, como ainda na Europa de hoje, onde educação é símbolo necessário, alargado em necessidade de conhecimento, pelo menos a que distingue zero de dez em valores.
Muitos se fascinaram e se fascinam com sua paciente busca da memória involuntária. Onde está? Proust foi um garimpeiro das correntes emotivas humanas. Sua obra, notável, romance entre os poucos de grandiosidade do mundo, “Em Busca Do Tempo Perdido” ,que realmente alguns podem abordar sem nominá-lo de cansativo, é obra de monta do acervo da humanidade em seus sete volumes que podem ser lidos aos poucos. E enriquecer o que faz do esquecimento saudade, e do passado lembrança.
Parar, olhar para trás e não mais distinguir. Lembrar da lembrança que não lembra, em esforço de um vazio não preenchido, mas voraz....ansioso.
Em sua abertura “Longtemps je me suis couché de bonne heure”, ao pé da letra seria, por muito tempo, me deitei cedo. E com razão chicoteia a conduta. Quanto perdi....
“Em Busca Do Tempo Perdido” define de certa forma, o tempo perdido em deitar cedo em prejuízo de seu conhecimento do mundo e das gentes. É uma figura retórica de projeção, o "deitar cedo", ou seja, desleixo com o tempo para conhecer mais ao invés de caminhar sobre infantilidades, mesmo já maduro pelo próprio tempo, por falta de conhecimento, um "se deitar" sobre a insciência de poder ser mais vida e, nesse colchão de tolices propagadas, em ceguidade que "acha" enxergar, alardeando "coisas" desconexas do sentido e da realidade. Tanto que se vê hoje com uma reviravolta em tudo que visibilizamos nessa saga já “cascuda”.
O tempo perdido é irrecuperável. Proust destaca essa subtração de nossas vidas em passagens detalhadas.
“Nos lugares novos, onde as sensações não estão amortecidas pelo hábito, revigoramos.” O hábito é segunda natureza, dizia Shakespeare, e por isso é descolorido e amorfo, acrescento eu.
O hábito amortece sim, as sensações, e nem se percebe, a necessidade da curiosidade em conhecer não é presencial, está abafada pelo hábito. Esse impulso está presente nos mais despertos e interessados em descobrir o mundo, suas artes e histórias.
Nossas sensações estão anuladas quando o espelho do mundo só vê nossa imagem e repete a conduta do mesmamente, um canto acanhado habitado, restrito a um dia a dia medíocre que seria de duendes e fadas, não descobertos, heróis do infantilismo. E não revigoramos fixados em rincões sem nada do mundo ver e conhecer. Não se oxigena a mente preso aos hábitos enfadonhos de conhecer o mínimo do máximo que os gênios nos ofereceram e livros e imagens reportam, e pessoas destacam, mas não se enraízam, pois a visão não pode enxergar, nem a leitura avaliar. O conhecimento que fica entra pelos olhos, é nesse passo que tem o título de janela da alma. Não se precisa de dinheiro, mas de interesse e curiosidade por conhecimento, estão aí os mochileiros.
Compreende-se assim a educação que falta pela ausência do conhecimento. Neutraliza o que teria aproveitamento razoável se cultura tivesse e não foi possibilitada, nem pelo Estado nem pelo interesse pessoal.
Por isso o que congrega e aproxima pessoas não é a semelhança ou identidade de opiniões, mas a identidade de espírito, a mesma espiritualidade e visão de ser e entender a vida, compreender a vida na mais larga acepção, por conhecê-la e suas expressões mais altas, um premio da educação.
A educação faz tudo ter mais sabor, das pequenas às grandes passagens, do simplório ao sofisticado, dos flertes às grandes paixões vividas.