EU PODERIA
Chega o caos que urge de dentro como o raio que precede o trovão, que rasga a realidade, e quebra o silêncio em pedaços afiados a fim de rasgar pés descuidados, e eu penso no desperdício que é passar a vida olhando através da janela. Mas a minha estava aberta, e o vento soprava poeira fresca para dentro de meu quarto enquanto eu olhava para o teto, deitado de costas nuas no chão, sentindo o suor da lombar incomodando meus pensamentos e decidindo o que fazer assim logo após o crepúsculo. Acompanhava a dança das cortinas atentamente, pois hoje não tinha novela na tevê. O sol invadia junto, de mãos dadas com minha ansiedade pela noite, mas eu estava feliz. Sim, feliz. Contente, alegre, sorridente, eufórico com o que a vida proporcionara até então. Uns pares de livros pairavam no chão junto comigo, cansados como meus olhos cambaleavam entre o mundo dos sonhos e o estar acordado. Até que meu celular tocou.
“Oi,” eu disse. “Pode falar.”
Do outro lado ouvia uma respiração ofegante.
“Oi?” eu perguntei.
“Eu quero terminar com você.”
“Que?”
A respiração era mais pesada, como se fosse possível sentir as lágrimas do outro lado, atravessando a linha telefônica e molhando meus ouvidos.
“Como assim?”
“Desculpa.”
“Por quê?” eu perguntei.
“Não dá mais pra mim. Acabou.” E assim a chamada foi encerrada.
Olhei ao meu redor, para a janela, para os livros, para a cama desarrumada, para a seringa e a colher caídas no chão, e tudo o que senti foi vontade de dormir.