UMA TARDE DAQUELAS
O sábado de primavera guardava aquele diferencial de cores que vai gradativamente se esvaindo, à medida que o verão se aproxima. Neste momento, pode-se ainda desfrutar daquela temperatura amena ao amanhecer, que vem adornado pela infinitude azul do céu.
Depois do café da manhã, parti para o bairro do Jardim Botânico, encontraria meus colegas de clube, e juntos aproveitaríamos aquela manhã luminosa, jogando tênis. No intervalo das partidas, desfrutaria a sempre prazerosa troca de idéias, que ficou alterada pela proximidade da eleição presidencial de segundo turno, os ânimos exaltados refletiam bem, o que pode acontecer num país dividido.
O prazer nos faz descuidar do tempo passado, quando me dei conta, o relógio digital do alto do prédio marcava 10h: 50min, prazo limite que me dera, para ainda conseguir me atirar na piscina e relaxar nadando por uma hora. Meu tempo estava todo marcado, tinha importante compromisso à tarde, e não devia me atrasar.
O almoço em casa também foi corrido, em seguida peguei o carro e retornei ao Jardim Botânico, iria passar à tarde ao lado da minha sobrinha, internada na UTI de uma clínica infantil.
Lara, uma menina especial de três anos e 10 meses foi gradativamente se transformando numa criança dependente de cuidados hospitalares contínuos. Este 2022 foi passado praticamente em dependências hospitalares, e o processo degenerativo sofreu aceleração.
Seu quadro inspira cuidados, sua alimentação se dá por sonda ligada a uma máquina, que vagarosamente injeta alimentos em seu já debilitado corpinho.
No ambiente hospitalar ainda se faz necessário o uso de máscara, já desacostumado, foi um baita incômodo permanecer mascarado por longas seis horas.
Como desgasta vivenciar essa situação, uma menininha que não fala, não consegue hoje sequer sentar sem apoio, e além de tudo passa ao longo do dia por tantas ações evasivas.
Como tem dificuldade para oxigenar pulmões, um aparelho ligado ininterruptamente sopra oxigênio suplementar para encher seus pulmões.
Por duas vezes também utilizaram um aspirador para sugar catarro por narinas e boca porque ela não consegue expectorar. O acesso profundo instalado na barriga conta com várias interseções, nelas medicamentos são lançados diretamente em seu organismo, vi cinco ampolas serem esvaziadas com rapidez e habilidade.
Nesse período de seis horas, acompanhei enfermeiras trocarem duas vezes a fralda da Larinha, sendo a última, por forte insistência minha. Ao abrir a fralda descartável, constatei fezes que atritavam com forte irritação da pele em área de muita sensibilidade. Interessante, a proibição da troca de fralda por acompanhante, enquanto a enfermeira não atendia meu chamamento Lara chorava, chorava muito.
Resolvi então, fazendo uso da parte limpa da fralda remover fezes que tanto afligiam a guria. Assaduras agora ficaram evidentes, o choro desenfreado acontecia por razão muito forte. O silêncio posterior veio em forma de agradecimento. Finalmente, a enfermeira chegou, e também em silêncio se manteve, enquanto eu fazia massagem na pequenina, agora calma.
Essa perda de autonomia na pessoa idosa causa sofrimento sim, agora que a expectativa de vida se ampliou como nunca na história da humanidade, portanto, vai ser cada vez mais comum o aparecimento de doenças degenerativas, principalmente entre aqueles mais longevos. Agora esse mesmo processo se desenvolver numa criança, no mínimo abala a fé.