O Circo

O CIRCO

O Circo chegou. Atualmente, temos dois circos em Porto Alegre. O Circo Di Roma e o Coliseo Argentino.

Crescemos sob a magia do circo; lemos grandes obras cujo tema era o circo; assistimos a muitos filmes com a mesma temática; sabemos de atores que se originaram do picadeiro; ouvimos falar de amores e tragédias nos circos; enfim... nossa infância foi permeada pelo romantismo do circo.

Não obstante ser considerado como “do passado”, a presença do circo é um acontecimento. Prova disso foi a multidão de crianças e adultos que se aglomeravam domingo último nas imediações do Circo Di Roma. Filas formando caracóis imensos; tinha até cambistas. Parecia que os adultos de Porto Alegre que não viajaram no feriadão resolveram levar suas crianças ao circo e curtir um pouco de nostalgia. Incluindo-me entre os nostálgicos e usando minha filha como pretexto, lá estava eu no meio da massa.

Ao entrar, um choque! Parecia tão pequeno; tão pobre; com instalações tão insignificantes; chegava a causar tristeza. O sol, que se infiltrava por buracos na lona, criava um lusco-fusco que só contribuía para criar uma aura quase fantasmagórica.

Começou o espetáculo. As danças? Medíocres. Os palhaços? Deprimentes. As acrobacias? Ridiculamente mal feitas. Os números de trapézio? Comuns e insossos. Os animais? Mais preguiçosos que Macunaíma. Em resumo: um lixo.

Ocorre que, olhando minha filha, vi-a dando risadas, batendo palmas, devorando, com um lindo sorriso de felicidade, as pipocas e o algodão doce. Percebi também que todas as crianças em volta se comportavam de maneira idêntica.

Diante disso, reformulei minhas críticas. Concluí que os conceitos anteriormente formulados eram, em síntese, gritos de frustração de um adulto que não mais conseguia curtir as coisas que podem ser apreciadas somente com o sentimento puro da infância. Constatei que um bom número de crianças havia, numa tarde de domingo, se desgrudado das imbecilidades que lhes são impostas pela televisão, para apreciar o palhaço, a bailarina, o trapezista, o macaco, o elefante; seres reais que lhes mostravam o valor das coisas simples, livres das sofisticações eletrônicas. Ficou evidenciado, também, que vários pais e mães estavam, numa tarde de domingo, em companhia de seus filhos, dando-lhes a atenção que eles tanto exigem e merecem.

O fato é que aquele circo não era pior do que os vários circos que eu curtia na minha infância e que me deixaram tão agradáveis recordações. Felizmente, naquele momento, concretizava-se a possibilidade de recordações similares permearem a futura memória de nossos filhos.

O circo, numa tarde de domingo, modificara os hábitos de uma boa parcela da comunidade, conseguindo se sobrepor ao fascínio eletrônico da televisão, à paixão do futebol e à comodidade de uma boa sesta, aproximando pais e filhos e, por conseqüência, solidificando a família. O circo, enfim, cumprira com a sua finalidade.

PS: texto de 1982. E ainda não existiam as Redes Sociais.

Maugo
Enviado por Maugo em 10/12/2023
Código do texto: T7950972
Classificação de conteúdo: seguro