DENTADURA NO COPO D'ÁGUA

 

 

Quando criança, eu me incomodava ao ver vovô e vovó às voltas com suas respectivas dentaduras que, naquela época, tambem eram chamadas de chapas. Vovô, ao ficar bem idoso e doente, perdeu muito peso, e sua face tão magrinha e enrugada, ressentia-se da falta dos dentes naturais. Os postiços, talvez mal adaptados, pareciam frouxos na boca. Vovó, quando saía de casa, usava sua dentadura, mas ao voltar, livrava-se dela dentro de um copo d’água. Às vezes, quando esta machucava sua gengiva, não se vexava em tirá-la e metê-la no bolso.

 

Mais tarde, quando meus pais também envelheceram, eu os acompanhava em seu infortúnio diário, nessa convivência difícil com a falta de dentes. Papai usava Corega para fixar sua dentadura. Os dentes falsos eram maiores que os originais, dando-lhe um aspecto que não me era familiar. Mamãe, talvez por ser mais obstinada, adaptou-se melhor à novidade. Nunca os tirou em público e sua aparência era mais natural. Entretanto, à noite também usava um copo d’água, devidamente escondido na bancada do banheiro.

 

Sempre achei muito estranhos aqueles sorrisos dentro d’água, apartados de um rosto. E me doía ver que meus velhinhos sofriam com isso.

 

Quando chegou a minha vez, defrontei-me com o mesmo problema. Perdi molares e pré-molares, dentes importantes para a mastigação e também para preencher a cavidade bucal, impedindo a migração dos dentes vizinhos e minimizando o aspecto envelhecido da face. Acho que tenho mais sorte que meus ancestrais, pois as técnicas de implantes dentários estão bem avançadas hoje, proporcionando um aspecto natural, além do bom desempenho das funções a que se destinam.

 

Entretanto, os implantes requerem um estudo prévio, muitas radiografias e cirurgia com profissionais habilitados, além da presença de um anestesista. A recuperação não é tão rápida, porém o resultado bastante satisfatório. O único senão é que meu cérebro parece não reconhecer os dentes fake e, vez por outra, mordo a língua ou a bochecha, além de uma certa dificuldade ao pronunciar palavras muito longas e difíceis, tais como: Pindamonhangaba, Saracuruna, acintosamente, acessível...

 

Bom mesmo é poder prescindir do indefectível copo d’água e não ter nenhuma preocupação com uma risada exagerada ou um espirro involuntário...

 

 

 

 

Aloysia
Enviado por Aloysia em 09/12/2023
Reeditado em 13/01/2024
Código do texto: T7950529
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