Cabelos soltos
Não sei porque tenho tanto cabelo e porque eles crescem tão rápido. Durante muitos anos os deixei preso, como se prendesse também meus desejos, anseios, minha força, minha liberdade, minha coragem, minhas vontades, minhas qualidades e defeitos.
E assim tentava a todo custo, ser invisível no mundo.
E talvez eu ainda faça, de outros jeitos.
Há diversos mecanismos de defesa para quem tem medo de se machucar mais. Mais do que já está machucado, mais do que possa suportar.
E também há formas cruéis de se esconder do que pode também fazer bem. Há tanta beleza por aí, tantas pessoas, tantas histórias, tanta vida.
É que a luz muitas vezes fere os olhos de quem se acostumou com a escuridão.
Estar nos holofotes pressupõem ser visto. E ser visto é sempre uma grande responsabilidade.
Em as horas nuas, há um trecho em que Lygia Fagundes Telles diz: “Invisível. O que já é uma proeza num planeta habitado por gente visível demais, gente tão solicitante, olha meu cabelo! olha o meu sapato! olha aqui o meu rabo! E pode acontecer que às vezes a gente não tem vontade de ver rabo nenhum.”
Sim, pode acontecer. Mas um mundo de gente tão solicitante, é porque por dentro têm algo que nos solicita tomada de decisões, brilho nos olhos, vontade, esperança, ter fé. Costuma ser chamada de alma. Ela solicita vida.
Assim como solicita espaços, amores, paixões, tesão, conquistas, sonhos, pés descalços, liberdade, propósito e cabelos soltos.