Detestar

As pessoas acham legal, mas eu detesto. Gostaria de achar tudo legal, mas tenho que detestar. Tudo bem, não é legal generalizar. Desgeneralizo: as pessoas, não. Há pessoas que acham legal, a maioria, pode-se matematicamente dizer. Mas eu detesto. Detesto consciente, prazerosa e legalmente.

Nada contra churrasco, cerveja gelada, amigos e um mergulho na piscina. Não, não é isso que eu detesto, embora tenha motivos reais para detestar piscina: nado nada. Também não sou dos que... dos que... Desses que abraçam balançando as pessoas; desses que fazem o que todo mundo está fazendo só porque todo mundo está fazendo, não se importando se estão fazendo; desses que acham muito legal falar à balconista de supermercado, "Senhora, dá-me um quilo e duzentos gramas de queijo.", e quando a laborista lhe pede que repita o pedido, alegando está "meia esquecida", o cliente vernacular sente-se ultrajado.

Não, não sou desses, e não os detesto completamente, mas apenas a parte que toca a gramática, apesar de e inclusive. O "apesar de" aparece quando me perguntam se acho legal entrar numa loja e sair sem comprar nada, e eu respondo que não só acho legal, mas e também muito econômico. O "inclusive", desconheço a origem, mas parece com alguém cujo nome me soa alemão.

Aliás, não sou desses que detestam "cujo", mas acham legal nitritos de alquila, alegando que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem a prévia cominação legal”. Aliás, não detesto por completo o direito penal nem advogados. São muito úteis no tribunal, como os filólogos o são na cátedra. No day by day, prefiro os epicuristas.

Epicuristas, aliás, há pessoas que detestam. Mas essas mesmas pessoas acham muito legal andar vestido. Aliás, nada contra, porém, mas não sou dessas pessoas que... que... que... Exatamente isso: que não gaguejam. Porque é preciso gaguejar, e não apenas da vida, da nossa solenemente, gaguejar não só das pessoas que não detestam, mas das que detestam, principalmente. Como são detestáveis as pessoas que detestam!

Deveria Cristo ter escrito o seu XI mandamento, proibindo os humanos de detestar. Mas em Cristo tudo é perfeito, e parece que preferiu embutir o preceito em "Não cobiçarás nada que pertença ao teu próximo". Eis, sem dúvida, uma sentença eloquente, divina, perfeita para usar não só em tribunais, mas principalmente na vida.

Na do próximo, claro, e em menor grau na dos epicuristas.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 09/12/2023
Reeditado em 09/12/2023
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