O Meu Vizinho Morreu
O meu vizinho morreu. Tá, eu sei. Muitos vizinhos morrem o tempo todo no mundo inteiro. Mas dessa vez foi o meu: o meu vizinho morreu. O que compartilhava comigo encontros casuais na entrada do prédio. O que eu via subir as escadas pelo olho mágico quando, por este, eu olhava achando que os passos vindos de fora poderiam ser de alguém que eu esperava.
O meu vizinho morreu, assim, do nada. Deve ter chegado em casa depois de algum compromisso na rua, comido alguma coisa, jogado no lixo seu último guardanapo usado, ou a última embalagem do pão que ele comeria. Deve ter enchido o copo com água ou a xícara com café e tomado sem saber que seria a última vez.
O meu vizinho morreu e ninguém percebeu. A janela que dá pra rua e que sempre esteve fechada, permaneceu fechada. Os passos vindos de fora continuaram, mas acho que nesse intervalo entre a vida e a morte dele, não olhei pelo olho mágico nenhuma vez. Se olhasse veria que não era ele. Estávamos vivendo ausências simultâneas: eu, a do outro; ele, a dele mesmo.
Os encontros casuais deixaram de acontecer, mas eu não percebi. Ninguém percebeu. Os moradores continuaram entrando e saindo, menos ele, que já estava esvaído em algum canto do apartamento. Então, com a mesma sutileza das almas sensíveis, a natureza se encarregou de nos avisar da sua morte, fazendo exalar pelo prédio um odor enjoadamente peculiar.
O meu vizinho morreu. Mas o mais estranho disso tudo é que ele continua aqui, no odor que ainda não se esvaiu por completo. Na janela, que antes era só uma janela sempre fechada – hoje é uma janela para sempre fechada. No carro que continua estacionado na frente do prédio – hoje é o carro para sempre estacionado na frente do prédio. Tá, eu sei que o único “pra sempre” nessa história é a ausência dele. Amanhã chegam novos moradores e abrem a janela. Depois de amanhã algum familiar vem e leva o carro dele embora. Mas todas essas coisas, subordinadas ao sujeito dele, são para sempre. Morreram com ele.
O meu vizinho morreu. E no dia seguinte da retirada do corpo do apartamento, olhei pela janela logo cedo e me deparei com uma gaivota voando para longe, de modo que a luz do sol formasse em seu abdómem um alaranjado tão lindo de ver… pensei que talvez a morte seja isso, um voo distante… E se houver sol… ah, se houver sol, a gente sorri.