Ciclos
Praticamente em todas as digressões fora dito que o ser humano é um ser sociável, uma repetição quase desnecessária, mas com um sentido, reforçar a necessidade de criar laços para sobreviver, com esses laços formam se ciclos sociais, uns ao nascer, outros com a convivência, outros ao morrer.
Dizem os cientistas que se soube da formação social através da observação das ossadas primitivas, encontraram um osso femoral fraturado e curado, cicatrizado. O que isso tem a ver? Tudo. Significa que alguém se machucou e os outros não o abandonaram e seguiram, ficaram, cuidaram dele, aguardaram seu processo de cura, iniciando assim o que chamamos de sociedade, em termos gerais.
A sociabilidade do ser humano vem daí, o cuidado com o outro e o auto-cuidado.
Criamos com isso laços tão profundos que pensamos ser inquebrantáveis - na verdade queremos tanto que o sejam que não percebemos que não são, nos pegamos e apegamos ao outro como botes salva vidas, a sensação é de que não sobreviveremos sem aqueles que estão ou passaram por nossas vidas.
Assim que somos sabidamente gerados, o relógio social começa a rodar - se não fosse assim não teria sentido tanta discussão sobre o aborto, não é mesmo? O envolvimento emocional é inevitável, os pais já sentem seu filho antes mesmo que a barriga se mostre percebível - dizem que uma onda de emoção divina reverbera por todo o corpo da mãe ao assistir à primeira ultrassonografia, ao ouvir, o coração de seu bebê bater.
Com isso inicia-se um ciclo que se encerra com a retirada da criança de seu ventre - viva ou morta, e inicia-se outro com a criação de seu filho ou luto pela morte dele.
A cada novo envolvimento um ciclo se inicia e obrigatoriamente precisa ser encerrado.
Dirão: O luto pela perda de um filho nunca passará! Não mesmo, mas será preciso controlar as emoções criadas por ele para seguir em frente, a vida não para, outros filhos virão, outras emoções surgirão e teremos que viver cada uma delas.
Exemplo pesado esse, mas bastante útil, assim será por toda nossa vida e mesmo após o fim dela.
Por vezes iniciamos tantos ciclos emocionais e os deixamos ativos que nem sabemos ao certo em quais estamos, cativamos e somos cativados por fatores, que, por vezes, fogem ao nosso controle, o ser humano é assim e é necessário que seja, senão não teríamos tido aquele ser da perna curada, senão não existiríamos como raça, mas esses tantos e tantos ciclos iniciados e não encerrados podem causar distúrbios tão graves que custarão nossa sanidade.
Alexsandra Zulpo disse: “Muitas vezes temos que tirar pessoas de nossas vidas, apagar algumas interrogações, colocar pontos finais e escrever novos episódios da nossa história. Essas atitudes não significam que temos ódio em nossos corações, apenas respeito por nós mesmos. ” Uma verdade inevitável!
Não é nada fácil, alguns ciclos, ao se encerrarem, não serão percebidos, serão traços de nossa memória, ou nem isso, mas outros doerão como nada já verbalizado, sentiremos o fim como o fim de nossas próprias vidas - morreremos em vida, a proporção da dor será proporcional ao vínculo emocional criado, quanto maior e mais profundo, mais sentiremos seu encerramento, mais nos agarraremos às memórias que o fez tão forte, acreditaremos que não vamos suportar a ausência daquele ser que nos fez tão bem ou tão mal.
Não percebemos que ao manter esses ciclos ativos não nos permitimos viver novos, se não os encerrarmos definitivamente, esses ciclos se tornarão buracos negros que engolem tudo a seu redor.
Com o fim de um relacionamento sempre faremos comparações com novos, com o fim dos abusos sofridos, sempre teremos receio de que ocorram novamente, com fim de uma vida querida, sempre traremos a amargura da vida perdida.
O encerramento de um ciclo não significa o esquecimento do que foi vivido, significa que - por respeito à nós mesmos, aquela dor não será mais a razão de nossa existência, significa que deixamos ir o que não foi feito para ficar, significa se permitir viver a vida como deve ser vivida.
Somos seres humanos, somos falhos e somos perfeitos, iremos magoar, ferir quem amamos, assim como seremos magoados, feridos e em contraponto iremos amar e seremos amados com toda força do nosso ser, o que precisamos ter em mente é que não podemos nos deixar consumir nem pela dor, nem pelo amor sem correspondência.
Quando encerramos um ciclo é um peso enorme retirado de nossas costas, uma venda imaginária retirada de nossos olhos que não nos deixava perceber quão leve a vida pode ser, traz um alívio e ao mesmo tempo um vazio bom que só poderá ser preenchido com um novo ciclo, novo de verdade, sem pesos ou medidas.
Os ciclos, não temos como evita-los e nem devemos, cada um traz a dor e a beleza de estarmos vivos, cada um traz a experiência que precisamos para viver outros e outros, aproveitando cada gosto e desgosto que torna a vida tão bela.