O TIO E A TIA

O tio e a tia, era um casal já na faixa etária acima dos cinqüenta anos que mudaram-se para uma casa no meu bairro, quase confronte a minha, já faz algum tempo. Ele, um suboficial da aeronáutica em contagem regressiva de tempo para se aposentar, ela, uma advogada que atendia os seus clientes no portão de casa, sem maiores deferências profissionais. Ao aposentar-se, o tio passou a andar de bermudas e sandálias e uma bolsa a tiracolo, acho que com todos os documentos que possuía e carnês de toda a ordem. Nem parecia mais aquele militar bem fardado que vi em poucas ocasiões, por motivo de suas idas e vindas ao quartel. A tia, pelo contrário, era uma Lady. Andava sempre de vestidos esvoaçantes, bem penteada, com óculos escuros com lentes grandes, parecendo que tinha a intenção de encobrir os pés de galinha já em estado avançado de fixação, onde um simples pó-de-arroz já não surtia o efeito desejado. Era uma dama de fina educação. Diariamente saíam os dois em uma camionete Caravan, das antigas, que o tio não abria mão de possuir. Ele era um tanto canguinha, pois na época, devido a escassez de telefones nas residências, cobrava da vizinhança para receber e transmitir recados. E vejam que ele nem precisava disso. Talvez seja pelo seu jeito “econômico” que passou a cobrar os serviços, mesmo assim não comprava um automóvel novo. Aos fins de semana, a empregada diarista que trabalhava para a família do tio e da tia, recebia como missão lavar a velha Caravan, para que saíssem para passear no domingo. Assim ele não pagava a lavagem do veículo no posto e economizava uns trocados. E assim viviam. Ao irem ao fórum semanalmente, ela saía como se fosse ter uma audiência com o Presidente da República, com toda a finesse que lhe era peculiar, muito própria dos advogados engravatados. Já o tio, era um mordomo/motorista na volta, com a velha sandália, a tradicional bermuda e a bolsa a tiracolo, retirava o carro da garagem, abria a porta para a sua Lady entrar e, como um bom motorista, a levava para cumprir a rotina advocatícia. Após ganharem algumas questões judiciais, juntaram algum dinheiro, compraram um terreno, quase uma chácara, numa praia do litoral norte, construíram uma casa de dois pisos com fundos para uma lagoa e mudaram-se, sem deixar o endereço à ninguém. Mas como era de seu feitio, o nosso amigo não poderia deixar de alugar a sua casa, antes de mudar-se, pois não perderia a oportunidade de ganhar uns trocados com o aluguel da casa do bairro, até porque a casa iria ficar vazia, afinal, foi um bom vizinho, mesmo sendo um canguinha.

Camponez Frota
Enviado por Camponez Frota em 28/12/2007
Reeditado em 28/12/2007
Código do texto: T794730
Classificação de conteúdo: seguro