MANHÃ DE SEXTA-FEIRA.

   Homens e mulheres que passam por mim, trabalhadores apressados, não querem perder o horário de entrada da fábrica, olhares de curiosidade, talvez questionando-se sobre quem será aquele moço sentado do quinto degrau da escada ao lado da portaria da empresa, cumprindo o estranho ritual todos os dias no mesmo horário e exatamente no mesmo lugar. Poucos conhecidos acenam, outros esboçando cumprimentos com o menear da cabeça. A maioria são funcionários próprios da fábrica, os demais, em menor número, são das prestadoras de serviços, terceirizadas, assim como esse que vos escreve. 

   A calma manhã de sexta-feira aquartelada no coração, uma euforia pronta a explodir, é o desejo de liberdade reprimido no âmago da alma, a sensação de ficar longe, que seja por dois dias, porém, longe da responsabilidade diária prendendo em cadeias invisíveis. A quebra momentânea de um ciclo da rotina.

   Permita-me abrir um parênteses para falar desse estranho cronista, esse mesmo, ritualístico de todos os dias, o semblante externo mostra algo diferente  do interior.Às vezes eu me sinto apagado, quase morto. É estranho dizer isso, falar nesse tom melancólico, fúnebre e até depressivo, porém, é a mais pura verdade. Me sinto assim, não tenho porque esconder os meus sentimentos, pelo menos diante da tela em branco à minha frente. Diante dessas pessoas passando por mim escondo esse meu lado, no entanto, me derramo nas palavras, colocando em pensamentos escritos como esse, ou, na boca de meus personagens o que sinto, o que escondo dos demais, nós tornamos a vida simples complexa, e, vise versa, vai entender o ser humano. Às vezes eu busco por alguma coisa que distraia a minha mente, algo prazeroso, agradável, no entanto, há dias de terrível impossibilidade nesse quesito. Por mais esforço para se obter prazer e satisfação, nada parece agradar. Nesses momentos busco o refúgio da literatura, das palavras na página em branco, do dizer não dito, do verso solto, da prosa corrida, tal como estou a fazer nesse momento. É somente assim que consigo trazer certa tranquilidade e quietude.

   Se estende no horizonte uma manhã agradável de sexta-feira, clima frio, tudo calmo, silêncio. É apenas as primeiras horas, logo mais o sol vai despontar no horizonte, primeiramente tímido, quieto, até que, a força de seus raios alcançará cada canto, trazendo o calor necessário à existência. Sou uma sombra esguia no canto dessa escada, oculta dos olhares das pessoas, sentado nesse canto qualquer de solidão, aguardando o horário de entrar para a fábrica. Pessoas passando por mim, a maioria não olha, raramente olham, poucos acenam, um entre vinte. Eu não ligo para essas coisas, me acostumei ser um fantasma, ser desprezível para os outros, houve um tempo que isso incomodava demais, agora já não importa.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 03/12/2023
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