Preste Atenção (Em Tudo)
Tomei rumo para a capital logo cedo. Era sete da manhã quando o ônibus partiu da minha cidade, levando poucas pessoas. A viagem não era longa, e pelo caminho entrariam mais passageiros, logo os assentos todos estariam ocupados.
Foi numa dessas paradas que sentou-se ao meu lado uma moça, jovem e de cabelos longos, deveria estar indo para algum curso.
Me aproximei mais da janela, a fim de não incomodá-la tomando seu assento e para dar mais liberdade para suas bagagens no chão.
Eu me orgulhava de sempre pensar no próximo. Sempre me vi com uma educação Japonesa, sempre pensando no outro e como isso um dia voltaria para mim como recompensa.
Devido ao clima quente da cidade, estávamos viajando com todas as janelas abertas naquele dia. Fazia mais calor do que de costume e janelas fechadas exigiam ar condicionado - O que não existia naquela simples e pequena empresa de transportes.
Quando aceleramos na BR, notei o forte vento que espalhava os cabelos da moça ao meu lado.
Meu instinto foi de fechar a janela, óbvio. Mas essa tarefa seria difícil - pensei.
Pois a pessoa que estava sentada em minha frente apoiou seu ombro na janela. Se eu fecho a entrada de ar, ela seria arrastada junto do vidro.
O que fazer? Não quero incomodar.
Penso por um tempo enquanto percebo mais e mais os cabelos esvoaçantes ficarem embaraçados ao vento que eu ainda não impedí de invadir com agressividade os assentos 10 e 11.
Me vem à mente um plano sagaz:
Vou esperar o ônibus dobrar para a direita. Assim a pessoa da frente vai ser jogada para longe da janela pela força centrífuga causada pela velocidade do automóvel e a curva da estrada, afastando seu corpo da janela e me proporcionando o momento perfeito para agir.
É isso. Resta esperar a estrada me ajudar.
E mais a frente eu vejo minha chance. A curva está chegando, o ônibus está em boa velocidade, ninguém vai notar. Eu fecharei a janela assim que o ombro da pessoa se afastar alguns centímetros e tudo acaba antes dela voltar ao seu lugar.
Entramos então na curva.
Eu me preparo. Observo a pessoa da frente se segurar com força. Preparo minha mão no suporte da janela, esperando o momento.
O ônibus faz a curva. Meu momento.
O ombro se afasta e eu penso no alívio que a moça vai sentir. Mesmo sem termos nos falado. Um agradecimento silencioso.
Minha chance. Agarro a janela e puxo com força.
A janela está travada. Borrachas ressecadas.
Meu ímpeto de força se torna um gemido vergonhoso.
A janela permanece aberta. A moça não sabe se ri ou se faz cara de paisagem.
Eu não sei onde enterro minha cara. Só sei que jamais sento na janela novamente.