Almoço de domingo
Já contei da macarronada com molho vermelho e frango assado do seu Noé? Nos domingos, quando eu era adolescente e jovem adulta, meu pai nos reunia na casa dele pontualmente ao meio-dia. Mesmo na praia, o almoço nunca atrasava. E essa era a especialidade dele.
Se eu estivesse de ressaca ou de plantão, só aparecia quando a mesa já estava posta, como a maioria. Se não, minha função de manhã era descascar e cortar as batatas para a salada de maionese. Fora isso, ele fazia tudo sozinho. Pelo menos é assim que me lembro.
O cheiro do frango perfumava a casa enquanto todos iam chegando. Completavam o “cardápio” as risadas, eventualmente gritos e atualização dos dramas e vitórias da semana. À mesa, a primeira disputa era pela pele tostadinha do frango, depois pela palavra. Sim, minha família sempre gostou muito de falar. Tanto que não era de estranhar quando um interrompia o outro, a maioria das vezes com um comentário sarcástico ou deboche. Daí a revolta e gritaria. E as gargalhadas. E uma única guaraná Polar para 6 ou 7 pessoas. Anos mais tarde, uma coca de 1 litro para 9 ou 10.
Minha parte preferida do almoço era o peitinho do frango, cortado milimetricamente no meu prato depois misturado com a massa, molho vermelho, 1kg de queijo ralado e Fondor. Provavelmente também tinha salada, mas dela eu não lembro. Quando pequenos, fomos acostumados a comer tudo e, só então, beber. Um hábito que mantenho até hoje.
Éramos incentivados (ou coagidos) a repetir. Quem não comia pelo menos dois pratos não havia gostado da comida, pior ofensa possível ao chef. Só sei que, aos domingos, era prudente nem tomar café da manhã. E fazíamos mesmo questão de comer tudo, para não correr o risco dos restos se transformarem na tradicional sopa do Noé na janta. Não havia desperdício. Até guardanapos e palitos de dente eram cuidadosamente descartados, sob o risco de virarem guarnição. (tá, essa parte é mentira!)
Normalmente todo mundo comparecia mas, se por acaso alguém faltava, virava o assunto monotemático do meu pai, pra ira do meu irmão: “Ao invés de só falar do fulano que não está aqui, quem sabe tu prestigia quem veio?” Acho que era a maneira do Noé de simular um quórum total, vai saber.
Não lembro se tinha ou qual era a sobremesa. Só que depois do almoço, como fazia todos os dias, meu pai cochilava, ignorando solenemente alguma eventual visita. Naquele ponto, todos já eram de casa, sentiam-se totalmente à vontade e alguns até “sesteavam” também. Outros assistiam o Silvio Santos ou algum filme na Globo. E algum desafortunado lavava toda a louça.
O almoço de domingo era tipo uma terapia de grupo às avessas. Foi a cola que uniu minha família de origem durante anos, depois da morte da minha mãe. É uma das lembranças mais queridas que eu, meus irmãos, sobrinhos, primos e alguns amigos íntimos compartilhamos dos anos 90, início dos anos 2000. As dores e delícias de uma família disfuncional (como todas as mais legais), regadas a muito carboidrato e pouco refrigerante. E uma dose insana de amor.
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