A CORRIDA E O SONHO

Sempre convivi com a excentricidade de durante o sono, trabalhar fatos que de alguma forma, mexeram com minha estrutura no decorrer das 24h anteriores.

O interessante era que não existia barreira para assunto algum, tratava-se de uma segunda chance de resolver uma situação que não lograra êxito, ou mesmo aprimorar a forma de resolver de outra maneira um exaustivo desafio.

Lembro de algumas vezes conseguir acordar para anotar alguma ideia que facilitaria a resolução de algum problema que fizera esforço, mas que a solução parecia ainda muito distante, ou mesmo a clarividência de passagens imaginadas na demonstração de algum problema matemático, que infelizmente ficara em branco na prova da noite anterior.

Outras vezes, me via dento de estórias de algum livro que me impressionara, às vezes antes mesmo de ter lido a última página, e por mais incrível que pareça, eu e o autor chegávamos a um desfecho final da trama com detalhes muito parecidos.

Com o passar dos anos fui perdendo este sexto sentido, para minha tristeza. Só retomei a uma situação que guarda alguma similaridade, quando passei a correr diariamente nas pistas do Aterro do Flamengo bem cedinho. No início, sem controlar bem a respiração, meu trote volta e meia exigia uma redução de velocidade para equalizar um coração que fazia força na tentativa de sair pela boca.

Em algumas semanas fui conseguindo controlar a respiração e gradativamente ir separando a alma do corpo, ou seja, a máquina de correr imprimia uma confortável velocidade de cruzeiro, enquanto a mente plainava como um pássaro a um metro e meio do chão, apenas assistindo a paisagem se modificando e muitas vezes, entretida com alguma questão a ser analisada, ligava o módulo automático e sequer interagia com o externo, o que, aliás, permite um bem estar poucas vezes desfrutado, mesmo em situações muito especiais que todos sempre temos de desfrutar ao longo de nossa trajetória de vida.

Lembro de ter sido importunado por uma singela gota de suor, que não respeitando a barreira das sobrancelhas, conseguira, aproveitando o balançar da cabeça, se atirar dentro dos olhos. Um fato que parece até lúdico, mas como arde, nunca pensei que pudesse gerar um líquido tão ácido, acostumado que estava a conviver muito bem com o corpo suado. Na época fiquei curioso e se tivesse facilidade, gostaria de conhecer a composição química desse líquido que fez a vista ficar ardendo e nebulosa. A solução caseira foi incorporar uma toalhinha aos meus parcos equipamentos de corrida.

Todo corredor que se preza, torce para que o verão passe o mais rápido possível, pois mesmo muito cedo a atmosfera parece ter guardado a lembrança do calor do dia anterior, e basta o sol aparecer para imediatamente iniciar o processo de suar, sem parar, mesmo depois de parar, mesmo depois de ficar um bom tempo debaixo do chuveiro, sem parar, pois a água que deveria refrescar, infelizmente desce aquecida da caixa d’água .

Pior que o calor, só mesmo o calor com chuva, fenômeno típico do final de tarde aqui no Rio, mas as vezes ela já chegava de manhã. Caramba, só quem já correu debaixo de uma chuva torrencial sabe o sufoco que se passa. Acho que a pior sensação é mesmo o pé afogado dentro do tênis, que a cada passada, você sente uma espécie de pressão líquida e um som shuap, shuap te acompanhando até o fim do treino.

Hoje com tecidos que não absorvem mais água tudo ficou mais leve literalmente. Anteriormente, as roupas de algodão iam aumentando o peso até a exaustão de absorção do tecido e isso valia para camisas, calção, meia e os próprios tênis que usavam material natural.

No finalzinho do outono e entrada do inverno, quando o sol deita sua órbita para o norte, os dias ficam menores e seus raios passam a entrar em diagonal na superfície da terra, podemos desfrutar de amenas temperaturas e das diferentes tonalidades das cores, o que propiciam caminhadas e corridas sem aquela exaustão que o calor impõe ao corpo no verão.

Nessa nossa cidade tropical, a única espécie arbórea que consegue definir a estação é mesmo a Amendoeira, que no outono vai avermelhando suas folhas, anteriormente verdes e no inverno finalmente caem ao chão, deixando apenas galhos expostos, de onde logo virá o início de um novo ciclo de vida, e também ao entupimento dos bueiros de águas pluviais, que para sorte de seus moradores, coincide com a estação mais seca do ano.

Esse curto período de baixas temperaturas, principalmente na madrugada, obriga o corredor a usar casaco para sair de casa, que num primeiro momento protege, mas a seguir, se transformará em um lastro a ser carregado quilômetros adiante.

E assim com menos corridas e mais sonhos vou levando essa vida!!!!

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 30/11/2023
Código do texto: T7943743
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