Pedrina, a Pequena Mulher de Coração Gigante
Para falar sobre mulheres amazônidas eu não poderia escolher outra personagem que não fosse a minha mãe Pedrina da Silva Costa, nascida no ano de 1936 as margens do rio Purus que banha a cidade de Lábrea no estado do Amazonas, me disse que um dia quando acordou uma das irmãs estava dando os últimos suspiros ao lado dela, pois havia tomado veneno de rato, ficou órfã aos sete anos de idade, a irmã mais velha do primeiro casamento da minha avó juntamente com as duas mais velhas do casamento com o meu avô Arthur Guilherme da Costa, foram embora para Manaus, deixando para trás ela, que era a mais nova e meu tio Antônio Guilherme da Costa, que era o único filho homem do meu avô. Acredito que nessa quebra a liga da minha família sofreu uma ruptura significativa. Minha mãe foi criada por uma prima que ela carinhosamente chamava de Lala, que tinha um enorme coração, e se tornou mãe/irmã e protetora a quem Pedrina amava !
Minha mãe e o meu avô tinham problemas terríveis de empatia, a incompatibilidade de relacionamento era gritante, essa minha tia Lala me contou algumas prosas, por outro lado meu avô tinha preferência pelo meu tio, que o ajudava na lida da pesca e na agricultura de subsistência.
Em mais uma ruptura de afeto, tia Lala se casou e foi morar em Manaus com o marido. Minha mãe novamente ficou sozinha e nesse caminhar ela foi se fortalecendo da forma que foi possível. Ao longo das tentativas de ter uma família, foi mãe de nove filhos criando sozinha os seis sobreviventes, com muita firmeza, em especial quando o único marido que ela teve à abandonou por uma moça de codinome "Chica boa". E esse senhor era oriundo do Rio Grande do Norte e em suas paixões largava uma família e formava outra, numa bagunça de abandono, assim fez com a que antecedeu à minha mãe e também com minha mãe, chegando ao fim de sua jornada sob o mesmo teto com a última companheira, e com a qual gerou outros filhos.
Antes do meu avô falecer, carregado do ranço machista que ainda predomina em nossa Sociedade, apesar de já se ter obtido muitas conquistas, ele deixou para o meu tio todas as propriedades que eram de seu domínio e para a minha mãe, que me contou em várias conversas, deixou uma panela velha, momento em que, numa fala profética, ela disse a ele que um dia ela teria muito mais que aquela panela. Alguns anos depois ela teve não só uma mais várias panelas, até um carro ela chegou a ter.
E o mais engraçado de tudo é que eu e minha mãe tínhamos um relacionamento muito conflituoso. Eu sempre quis sair de casa, , só que, diferente do relacionamento dela com o pai, eu fui usando a sabedoria para quebrar essa barreira da distância emocional que nos envolvia. Obviamente isso foi a longo prazo, pois eu ainda menina descobri que minha mãe "agenciava" mulheres, em um comércio de prostituição, eu não entendia muito aquilo, demorou um pouco para eu perceber toda aquela situação. E mesmo sem eu entender, ela sempre teve o zelo de me proteger
Eu morava na cidade e fazia transporte de alimentos para o prostíbulo, certo dia um desses chamados figurões estava conversando com minha mãe no intuito de ficar comigo, foi nesse dia que vi minha mãe, do alto de sua pequena estatura de 1m50, se agigantar diante de insana proposta. Com o dedo firme na cara do sujeito falou poucas e boas, que a única coisa que restou a ele foi baixar a crista e sair de fininho.
Minha mãe era assim, não mandava recado, falava olho no olho. Porém não conheço até hoje pessoa de coração maior, quantas vezes a via rodeada de leprosos, comprando carne para eles no mercado da cidade. Foi parteira, ajudava os necessitados, aquele mulher que não tinha nada, foi uma doadora por natureza. Quando a minha irmã mais velha casou, já fui no pacote pra cuidar das crias e aos quatorze anos finalmente consegui sair de casa, novamente na companhia da minha irmã que nesse período tentava um segundo casamento. Ela resgatou as duas filhas do primeiro relacionamento e foi se aventurar com o novo companheiro pelas minerações da vida. Eu já fazia parte dessa formação familiar, ajudava na lida com as sobrinhas mais velhas e prosseguia com as que chegavam, ao todo ela foi mãe de quatro meninas. Eu não conseguia entender muito bem meu papel dentro desse “nicho”, mas, prestes a fazer quinze anos, por questões que não vale à pena relatar , tive que deixar tudo para trás e tentar começar em outro lugar.
Vim para Porto Velho, capital do estado de Rondônia, sem conhecer nada, e naquele momento entendi como melhor alternativa, morar com uma família e fazer o que eu sabia muito bem: cuidar de crianças e de casa. Era uma família que na minha cabeça tinha posses, no início enfrentei situações de racismo, já que essa família era branca e de origem tradicional, mas, enfrentei todos os desafios, em cada negativa me fortalecia. Após um ano minha mãe me “resgatou”, mais naquele momento eu já não me enquadrava no meio da minha parentela. Voltei para a mesma família com a qual já tinha criado laços e quando fiz dezoito (18) anos, sai para outras jornadas.
Arrumei meu primeiro emprego de carteira assinada como secretária do médico que atendia todos os moradores daquele setor de Mineração, e como minha mãe já não tinha mais o domínio sobre a terra em que morava, foi obrigada a abandonar tudo o que tinha construído, numa madrugada de muita agonia, só levou o que coube nas canoas. Ela também veio passar um tempo conosco na Mineração. Sou de um tempo em que as mineradoras dominantes na minha região, eram bem estruturadas e suas posições sociais marcadas, conforme o cargo de cada empregado. Tínhamos do “peão” ao Engenheiro Residente, que era uma espécie de administrador da localidade. Era um tempo de muita fartura, os Natais eram recheados de presentes para a criançada e muita comida era servida.
Minha mãe adorava ser comerciante, ela não tinha muita noção de lucro, mais tinha um olhar voltado para esse universo, lembro de quanto ela cozinhava, e diga-se de passagem era excelente cozinheira, fazia muitos jantares para eventos importantes, depois tentou alguma coisa na área de gêneros alimentícios, era uma coisa pequena e antes de morrer vendia geladinhos de frutas, bolo de aveia, pra ela o importante era esse contato com o cliente.
Após longos anos de convivência, fomos aprendendo a nos perdoar e quebrar nossas barreiras. Ela me contava muitas histórias, do quanto havia sofrido, enfrentou preconceito por ser negra, mãe solteira e outras questões, não podia frequentar a igreja, era um tempo bem difícil, um fardo bem pesado. Mesmo assim ela se orgulhava dos filhos e de suas conquistas, ainda teve o prazer de ver seus bisnetos,. Acredito que da mesma forma que Deus cuidou dela, ele nos permitiu zerar as nossas diferenças.
Essa mulher, da qual carrego muitos traços, é a figura que fez a diferença em sua trajetória, da melhor maneira que pode, e mesmo sem ter diplomas e ou certificados, chegou ao mais alto grau na jornada da vida, sendo exemplo para muitos e eternamente meu orgulho.
O Cosmo não poderia ter me dado um ventre melhor, para me acolher, sou grata por tudo e para essa mulher amazônida só posso expressar gratidão.