A lonjura do corpo
Meu deu vontade de te ligar. De mandar mensagem. Não tive coragem. Tá chovendo agora, tá tudo escuro, eu acordei sobressaltado, suado, assustado, quase chorando. Quis saber como você estava no meio dos trovões e raios, quis te dar um abraço, quis nunca mais soltar.
Ontem foi engraçado, encontrei seu perfume aqui em casa, na bancada. Tive dúvida se era mesmo ele, só lendo o nome, vendo o frasco, mas quando borrifei a dúvida evaporou e confirmei. Mesmo cheiro.
Abri, passei um pouco no pulso, senti. Parecia até o universo querendo tirar uma com a minha cara. Perguntei pra minha prima de quem era o perfume, ela disse que havia ganho de presente e eu fiquei ali, sendo você, ao menos na essência.
O barulho da noite castigou mais do que nunca. A cada corte no céu, clarão, trovoada, me perguntava se você não sentia pelo abraço da sua mãe, não encolhia-se pra dentro a cada barulhão, assim que nem eu. Não por medo, mas na ânsia da pura e simples presença. "Estar também é dar"
Escrever é uma faca, é o desespero total. Agora lembrei daquilo, acho que é parábola que chama, não sei.
"O dilema do ouriço"
Eles precisam se aquecer, afugentar o frio. Por natureza, sendo ouriços, carregam agulhas pontiagudas pelo corpo inteiro. Se aquecer através do abraço, pelo toque, pelo calor mútuo do corpo, é um problema. Quando mais se aproximam, mais se machucam, mais machucam o outro. Se ficam longe, o frio é tão doloroso quanto os espinhos. O que fazer?
Me lembrei disso, queria fazer sumir a lonjura dos corpos, de ambos, nada é simples , as vezes é até defesa, as vezes é só circunstância, desventura.
Li um livro quando era criança. Numa das histórias, "Senhor e servo" Vassili, é o senhor, Nikita, o servo. Acabam se ilhando em neve, se perdem numa tempestade,por causa do afã de Vassil: quer chegar a tempo para a conclusão de um negócio.
Não vou dar muitos detalhes, mas no fim é o calor
O calor do corpo que salva.