Tutorado pelo Caramelo!
Minha companheira fez uma reflexão que me incomodou. Temos três cachorros, muito queridos, amados e tratados com mimos exagerados. Sou o tutor principal, orgulhosamente, passeio, alimento, brinco e conversamos e sim batemos um bapo (monólogo). Eles ouvem atentamente e percebo o tédio do trio com as incongruências secretas das minhas dúvidas. Há coisas, que apenas eles podem saber.
Voltando a frase da companheira, há um entre eles que se destaca, o mais velho. O seu nome não vem ao caso, mas a frase foi a seguinte: “Você não é o tutor dele, ele é o seu tutor”. Sinceramente, quando ouvi, achei uma afronta, um desrespeito e de certa forma uma demonstração que o meu caráter para esta “mulher” (pensava assim naquele momento) era de um homem fraco, dominado por qualquer circunstância cotidiana.
Confesso que sou exagerado e dramático, portanto não basta ser arrogante, teria que ser um idiota também. Pensei comigo: “vou embora, aqui sou apenas um saco de boxe para levar socos. Pegarei meu primogênito canino e viveremos grandes aventuras por esse país e quem sabe pela América do Sul”. Em segundos, lembrei que o meu patrimônio são “cards” de ex-jogadores de futebol da década de 70, dois maços de cigarros e tenho aversão ao me higienizar com folha de bananeira.
A revolta acabou muito rápido e o reconhecimento das palavras certeiras da companheira também (a raiva continuou). Afinal, tenho arrogância suficiente para nunca achar que estou errado. No máximo, um engano.
O fato é que “Ele”, o “Caramelo”, o mais velho, tem uma ascendência sobre mim. Especificarei alguns aspectos: ELE só come se eu o estiver observando, não porque não tem fome, é para impedir que este humano faça alguma burrada por serem episódios constantes. A sua lealdade é de uma fidalguia que não há descrição.
O admiro demasiadamente pelos motivos mais imbecis possíveis, que só eu poderia ter.
O “Caramelo” odeia cachorros da “elite” e “bombados”. Entre nossos passeios, basta aparecer um Golden Retriever, Labrador ou qualquer “lindão desses”, escovados, penteados, pelos sedosos, como se tivessem usado “Monange”.
Nos encontros casuais pelas ruas, faço uma força descomunal para segurá-lo na coleira. Por duas vezes, a guia arrebentou, mas consegui impedi-lo. Em outra aventura, são os “fortes”, Pastores Alemães, Rottweillers e Pitbulls, estes são inimigos de guerra. O acaso causou dois enfrentamentos, o primeiro, estourou a guia e enfrentou um Pitbull na primeira e um pastor na segunda. Tive que separar a treta com o Pitbull, como “prêmio” levei uma patada no rosto, da qual me lembro até hoje. Já o Pastor era filhote, no segundo latido se encolheu sendo perdoado.
Sem dúvida dei uma bronca daquelas, o olhar do meu “TUTOR”, o único cachorro que conheço que não desvia o olhar com quem se comunica, expressou:
— Isto é apenas uma justiça social!
Fazer o quê, não é mesmo! Esse canino é maduro e sábio, gosto de acreditar nisso. Outro aspecto relevante em sua personalidade, ele odeia cães que demonstram alguma “admiração”. Simplesmente os despreza, são inexistentes, não os cheira, nem olha e sempre que pode se distancia.
Já confessei aqui, que sou um homem impulsivo e dramático, diagnosticado de forma dupla, pela psiquiatra e a terapeuta. Desconfio que elas me acham um antissocial ou um sociopata, ambas não disseram isso, a dúvida persiste.
E tenho uma história com o “Caramelo” da qual me arrependo. Estava na rua passeando com ele e os outros, quando fui atravessar, ouvi de um motorista exigindo tirar os meus vira-latas, além de um dedo do meio ereto, significando um falo e por último, ainda me chamou de um grande boboca.
Meus caros e caras, aceito que me chamem de filho da puta, cuzão e o que quiserem. Mas BOBOCA! O que significa isso? Que sou um bobo que me satisfaço com paçocas como uma única virtude da vida? NÃO!
O xinguei com palavrões horrendos, talvez alguns nem existissem. Era um homem irado, pronto para a guerra. Infelizmente o motorista desceu e com andar rápido em direção a mim, aos meus cachorros. Nesses poucos segundos, imaginei vários golpes, como uma voadora em 360.º, rapidamente lembrei que mal consigo levantar a perna acima do joelho. Portanto, quando o “motorista” chegou, tive uma reação instantânea e soltei meu braço esquerdo em seu rosto. O soco o derrubou, no chão, o meu “Caramelo”, estava comigo e mordeu o ombro do nosso “adversário”.
O agredido, como deve fazer um adulto consciente, se levantou, olhou para mim, limpou a roupa e foi embora. Eu e o “Caramelo”, nos achamos o máximo, quase demos uma volta olímpica na praça que passeávamos. Os dias passaram, a consciência pesou e percebi que mais uma vez fui irresponsável. Contei a minha reflexão, com o seu olhar demonstrando certo desprezo, o cão respondeu:
— O que está feito, está feito, segue a vida e para de choramingar.
De certa forma, “Ele” está correto, ainda farei inúmeras idiotices. O triste é que não terei ele para sempre, estamos envelhecendo, a saúde deteriorando, circunstâncias da vida. Acredito que ele esteja me preparando para seguir sozinho, ser o tutor da minha vida. Não terei escolha, não é mesmo! Abdico da religiosidade, sou ateu, mas será que o “Caramelo” poderia aparecer numa mesa branca espírita?