HOMENAGEM AO PROFETA TRICOLOR

Para encerrar o mês das justas e merecidas comemorações da conquista da Taça Libertadores pelo Fluminense F. C. da minha querida cidade do Rio de Janeiro, transcrevo crônica esportiva que escrevi em 2011, em homenagem ao Profeta Tricolor, sobre outra vitória épica da equipe carioca no mesmo torneio:

“Meus Amigos,

Os deuses do futebol decididamente gostam de escrever por linhas tortas, em constante abuso da capacidade de emoção dos torcedores.

Foi o que se passou na noite inesquecível de ontem na querida Buenos Aires. Depois de purgarem a praga divina de uma única vitória e outras quatro partidas medíocres na disputa da Libertadores, como se estivessem definitivamente excomungados, eis que os guerreiros tricolores ressurgem das cinzas e alcançam uma redenção improvável, triunfando sobre o difícil adversário, Argentino Júniors, e as demais circunstâncias adversas, sob os olhares enfim complacentes daqueles deuses.

O triunfo foi magistral, realmente, pleno de mágica, suor e determinação. A aflição e o sofrimento revezaram-se impiedosamente com a esperança e a alegria até o final da partida, exigindo toda a força das mentes e corações tricolores, principalmente dos abnegados torcedores que compareceram ao estádio e fizeram-se dignos de especial louvor. Seus gritos de "mais um" ecoaram por todos os cantos do universo, terrestre e celeste. A comunhão de esforços, na arquibancada e no campo, foi recompensada com o memorável resultado.

O jogo começou assustador. Pairava sobre o estádio o espectro do Sobrenatural de Almeida, inspirando temores de nova decepção tricolor. Eis, porém, que esse espectro foi substituído pelos espíritos do Gravatinha e de antigos craques das Laranjeiras, mortos e vivos, dispostos a ajudar seus sucessores atuais. Castilho, Pinheiro, Telê, Preguinho e muitos mais vieram, viram e venceram.

O primeiro gol resultou de autêntico mutirão. O competente lateral Júlio César partiu para o lançamento não apenas com suas duas pernas, mas também com as de Branco, Altair, Marco Antônio e tantos outros jogadores que brilhantemente ocuparam essa posição no passado. Graças a isso, atingiu velocidade incontida por qualquer adversário e completou com categoria para as redes. Acendiam-se as esperanças tricolores.

Não demorou muito, contudo, para todos se lembrarem de que a Libertadores é sinônimo de catimba, pressões e arbitragens falhas. Em lance disputado com o valente zagueiro Gum, o jogador argentino fez sua milonga e engabelou o árbitro, que deu o pênalti. Parecia que a via crucis do Fluminense ia continuar. No momento da cobrança, todos os tricolores de fé ainda puderam ver o grande Castilho, o maior goleiro da história do nosso futebol, descer de sua morada celestial para sussurrar aos ouvidos do aplicado Ricardo Berna: "ele vai bater à sua direita". Por maldade dos deuses esportivos, Berna não entendeu o recado e errou o canto.

Consumado o mal, restava ao amargurado torcedor indagar-se que Fluminense passaria a ver. Aquele time que se deixou abater pelo primeiro gol sofrido contra o Nacional, em Montevidéu, e sumiu em campo, ou o time de guerreiros que lutou contra todos os prognósticos e evitou a queda para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro em 2009? Os guerreiros não esmoreceram e, antes do fim da primeira etapa, o grande Fred colocou o Fluzão novamente em vantagem com uma cobrança exuberante de falta, na qual detonou a bola com uma patada atômica à Rivelino. Fomos para o intervalo com a vantagem e levando, de quebra, a salvação de uma bola argentina que explodiu na trave tricolor. Era a leiteria ressuscitada! O imortal Castilho não perdeu sua viagem.

A segunda etapa continuou a desafiar corações. Primeiro, o gol perdido pelo Marquinho, uma injustiça com o jogador, que fez por merecer a promoção a Marcão, pela grande partida que fez. Depois, uma bola chutada contra a meta tricolor desvia no paredão Valencia e trai nosso arqueiro, indo morrer no fundo do gol. A situação fica dramática. A combinação de resultados ora favorece o time argentino, ora favorece o rival uruguaio, que joga no mesmo momento. O Fluminense precisa vencer dois competidores ao mesmo tempo.

A esperança volta a reacender-se com novo desempate: Rafael Moura, que vinha tendo participação tímida nos ataques tricolores, mostra o faro de gol dos seus ilustres antecessores (Preguinho, Valdo, Flávio, Samarone e mil mais) e marca um tento importantíssimo. Falta mais um gol apenas, estimulado pela torcida guerreira sem esmorecimento. E esse gol mágico, sublime, redentor vem, com toda justiça, pelos pés do magistral artilheiro Fred. Comentarão os detratores de eterno plantão, essas serpentes e escorpiões sempre amargurados pela glória e pelo fulgor indiscutíveis do esquadrão das Laranjeiras, que o pênalti marcado pelo árbitro não existiu. Ora, se existiu ou não existiu, é questão de nenhuma importância. Importa, isso sim, que ali se corrigiu o erro do pênalti anterior assinalado pelo juiz contra o Flu e que se fez justiça. Foi como se os próprios deuses esportivos buscassem redimir-se de seus erros passados e permitissem a redenção igualmente do juiz da partida.

Encerrou-se o jogo com uma vitória maiúscula, justíssima, mágica e inebriante. A excelência dos vinhos argentinos abriu espaço ao vinho do pavilhão e do uniforme tricolores, o qual inundou a noite histórica. Em campo, a alegria do pequeno grande Conca, vitorioso em sua própria terra, de Mariano, de Diguinho e demais heróis tricolores era partilhada pelos torcedores, assim como pelos espíritos dos craques citados.

Agora, cabe ao elenco de guerreiros calçar as sandálias da humildade, manter o brio e prosseguir na caminhada rumo ao Olimpo. Nada menos do que isso há de querer o inesquecível Profeta Tricolor.

JAX, Assunção, 21/4/2011”.