O Passeio

(...) Chego à "Catedral do Napalm". Caminho pelo corredor principal até me aproximar do Altar. Ouço um discreto Canto Gregoriano que soa pelos alto falantes de uma caixa acústica ao fundo do ambiente. De imediato posso me recordar do canto em falsete de Peter (Steele) em _God Is Dead_ e posteriormente ao fim de _Christian Woman_. Chego a me emocionar, por sentir saudades dessa pessoa que não conheci pessoalmente e de minha Rainha Mãe Estrela D'Alva... À parte essa ótima sensação, é um misto entre o mundano (Matéria) e o Sacro (Espiritual) que vejo se manifestar em minha mente. A ascese (gr. áskesis) me parece um exercício difícil. Esqueço do que disse Jürgenson em seu _Telefone para o Além_ quanto à imagem fantástica dos seres como deuses, anjos e demônios enquanto contemplo duas imagens de anjos – o que realmente de mais próximo do conceito espiritual havia ali...

Ao me dirigir ao Mercado Municipal de Mogi, o pensamento sobre achar o Elo Perdido (comentei isso numa de minhas últimas crônicas, se não a última aqui publicada), ou seja, a Derradeira Compreensão da Realidade que um ser humano pode ter para se sentir completo – não sem sofrer por isso, porque muita coisa é melhor não ser de nosso conhecimento ("Ignorance is Bliss", adverte uma expressão estrangeira). Ao passar por um semi-lotado corredor do Mercadão, vejo uma senhora sentada lanchando. Ela também me olha. Lembra minha Tia Marlene. As lágrimas voltam. Poderia ser minha Tia Marlene, sim, junto à minha mãe, enquanto eu passeava pelo Mercadão. (Já não temos nossos entes queridos entre nós; ao mundo eles são os "finados"; a nós, Amados que não veremos nem teremos mais contato (nunca mais...). Jürgenson tenta desfazer essa constatação dolorosa. Ele dirá que é possível um contato com eles por meio do que alguns especialistas convencionaram chamar de "Transcomunicação Instrumental".

Na volta eu me deparo, bem próximo à Estação de Trem, de um cão de rua preto, tipo labrador, robusto, bonito, bem tratado, a ganhar um pedaço de carne de espetinho de um jovem casal com aparência de gente bem de vida (de bom coração e educação à parte). Fito-os por alguns instantes. Devido entrar no açougue e comprar um espetinho para dar inteiro ao pobre animal. Assim o faço. A moça me olha com ar de aprovação – embora não manifeste nenhuma expressão (talvez alguma, de discreta admiração pela cena rara). O rapaz, enquanto come, olha para mim e acena com um movimento de cabeça que traduz perfeitamente a frase "É isso aí. Muito bem, meu Amigo." O jovem comprou um espetinho desses a um morador de rua que o abordou momentos antes. É minha última e mais forte lembrança de um passeio memorável em que eu, mais uma vez, o fiz sozinho. Como diria um amigo (Márcio "Punk"): "a gente nasce, vive e morre sozinho. Tem que se acostumar." Na volta, dentro do trem, as lágrimas me visitam novamente. Também, pudera. Eu me emocionei ao ver a figura do alvo cordeiro (Agnus Dei) no Altar. Vi moças bonitas e atraentes pelo caminho. Vi um semblante que me lembrou Tia Marlene. Foi um dia normal na vida de muita gente. Mas o fim de uma semana agitada, chata e tensa em minha vida. Não fiz amizade com o jovem casal – eu sinceramente sou meio avesso a estabelecer contatos com o ser humano. Pois minhas decepções têm sido enormes. Mas o passeio salvou tudo, tudo, em meu dia. Passeio abençoado. Eu dou muito valor a coisas pequenas (detalhes, momentos, relances) e isso sinceramente é uma das marcas registradas em minha vida. Peter, Tia Marlene e minha mãe estiveram comigo _in memoriam_ por algum tempo ontem. E esse tempo, ainda que tão efêmero, há de durar em minha memória. Pela Graça, pela Bênção e pela Esperança que a Tríade Espiritual teve naquele pedaço de meu dia. Eu iria compartilhar essa crônica com algumas pessoas (amigos e parentes), mas... eu prefiro fazer isso com meus leitores como Ondina, Jung e Martins. Gente que me entende melhor...