O egoismo do dourado
E lá estava eu olhando para o mar, às vezes pescando as nuvens. Uma coisa que nunca vi destacarem são as semelhanças do mar e do céu, e como o pôr do sol exalta seus dourados. As nuvens eram, em suas verdades, brancas, mas o sol superava as verdades do topo das nuvens, revelando montes dourados pelo astro que só por perspectivas específicas poderiam ser vistas pelas nossas pobres visões presas à terra. O mar não ficava muito atrás, pelo menos aquele mar em específico não ficava; sua paleta se contentava com tons de verde. Mas, ao invés da forte cor de girassol dos topos das nuvens, era um branco amarelado que se contrastava pela luz do sol, como se as marés não se rendessem à luz, como se quisessem se manter fiéis a si mesmas. No entanto, a imponência do sol era grande demais; sua luz penetrava o mar como um tiro invisível. Os reflexos em marfim das ondas eram sinais sangrentos daquele conflito. Encantava-me o quão poético era o mundo, mas me enganava ao pensar o mesmo. Afinal, nada era de propósito; eram só sonhos e narrativas enfeitadas de contexto e com toques de conflitos que disfarçavam a monotonia e solidão que tudo aquilo me destacava. No entanto, os destaques mais sordidos e infelizes não agradavam tanto minha alma. Então, como meio de agradá-la, resolvi reinventar o mundo, algo tão poderoso e tão egoísta que só poderia ser feito por alguém como eu, um ser tão sem controle da sua própria existência que precisa de uma ilusão irreal para, ironicamente, viver nesse mundo. Será minha essa culpa? Ou será do próprio mundo? Um ser tão egocêntrico que não se curvaria às minhas vontades, algo tão livre das projeções de outros que ousaria ser algo além de uma pessoa, algo maior que todas as gentes, algo tão cego de suas falhas e forças que forçaria os outros a tomá-las como única chance de vida ao seu redor, alguém como eu. Talvez egoísmo fosse a única chave de existência desse mundo, ao ponto da terra onde nos arrastamos se dobrar a essa regra. Um suspiro se saiu dos meus pulmões. Chegamos ao nosso destino; foi uma longa viagem. Talvez pudesse ter aprendido tudo isso antes se fossem dadas as situações, mas antes tarde do que nunca. Enfim, do que eu falava mesmo? Talvez não fosse importante, mais uma divagação que só esse velho carro conseguiu ouvir. Talvez seja ele o único que conseguirá lembrar. Às vezes, pensamentos importantes vêm e vão. Talvez seja um tanto melancólico, mas fico feliz de ter o prazer de trazê-los à mesa comigo.