Passarinho terrestre
A Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, a descoberta do DNA e seu impacto na genética, a exploração do espaço, a busca pela vida extraterrestre, a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, a Nona Sinfonia, de Beethoven, o teatro de William Shakespeare, a conquista da Lua em 1969 pela missão Apollo 11, o Efeito Estufa, o Efeito Natasha e congêneres: nada disso lhe interessa. Ao passo que: livro de papel, banco de praça, jogo de dama, tagarelar com desconhecidos ou o desconhecido, a palavra "radiola", cabelos grisalhos, apertar suavemente bochechas de bebês, varrer quintal, varrer calçada, as variantes do verbo varrer (eu varro, tu varres, ele varre, nós varremos...), o cheiro de café coado na hora e todas as coisas menores: tudo isso lhe interessa.
Tipo: a monotonia das coisas cotidianas: a louça, o cochilo ao meio dia, a sensação de que não há nada importante ou urgente a ser feito. Porque tudo passará, menos o tempo, que é o tempo, para sempre e agora; que passaremos nós. O tempo fica; nós, passarinhos.
O fenômeno ou ilusão lhe agrada e seduz. É um dos seus delírios prediletos e provisório, porque segunda-feira é logo depois de amanhã. Nesse quesito contesta a opinião da Estatística, para quem amanhã, ou depois de amanhã, pode ser hoje. Na falta de alternativa otimista, discorda, sem provas científicas ou matemáticas. É certo que, é certo que, é certo que...
Passarinho desavoador, terrestre e velho esqueceu. Quando a moça alegre lhe voltar a perguntar, pela trigésima vez, se é certo que, se é certo que... O que mesmo? Passarinho desavoador, terrestre e velho vai lhe dizer que esqueceu. A partir de então, Passarinho desavoador, terrestre e velho passará também, dentre outras qualidades, a ser repetitivo.
Repetitivo feito formulário. Chato como formulários, porém monótono e lúcido feito manhãs de sábado, especialmente desinteressadas pelas descobertas recentes da Astrofísica, da Botânica, da Telemedicina Espacial, por Albert Einstein e sua Teoria da Relatividade, por Mona Lisa e seu Leonardo da Vinci, pela Nona Sinfonia, da parte de Beethoven, pelo teatro de William Shakespeare.
Passará Passarinho desavoador, terrestre e velho, tal qual esta manhã de sábado, especialmente andando a pé e a esmo em uma rua habitada só por pedestres. Passará distraído, vendo paisagens antigas ou olhando o céu ou o chão bem de perto, iniciando conversas desnecessárias e aleatórias consigo mesmo, tal qual o faz está manhã monótona e lúcida de sábado. E se, por acaso, sem ser fruto de acaso, a moça alegre lhes aparecer não saberão dizer se é certo que amanhã pode ser hoje.