VIDA DE PORTEIRO

Residindo em casa há muito tempo, não tenho mais sob meu radar, o cotidiano dessa curiosa profissão, típica das áreas mais densas da cidade, a rotineira vida de porteiro.

Quando ainda morava em condomínio de apartamentos, as estruturas dos prédios de tão simples, dispensavam o uso desse tipo de profissional, bastava um zelador, para dar conta das necessidades básicas da edificação.

Apenas, quando visitava alguém residindo em prédios maiores, requintados ou não, que passei a notar a presença desse profissional, em sua maioria experiente, e claro, com mais idade.

Nessa opção de vida, caracterizada por farta observação e pouca ação, podendo classificá-la como tipicamente sedentária, principalmente depois do uso irrestrito da eletrônica, que facilitou o constante abre e fecha de portas e portões, que agora dependem apenas de um toque no botão acionador da engenhoca.

Por outro lado, esse profissional ganhou mais atribuições após o advento das câmeras, supostamente de segurança, tornando-os quase onipresentes no controle de um espectro infindável de imagens, uma possibilidade quase impensável algumas décadas.

Hoje, porteiros de condomínios mais abastados dispõem em tempo real de visão tanto da parte externa, como também do corredor dos andares, incluindo aí áreas de lazer e pavimentos de garagem. Logo, virou pré requisito para o cargo, dominar esses equipamentos dotados de muitas possibilidades, principalmente aqueles do tipo móvel, que disponibiliza 360 graus de imagem.

Imagine você do que essa fartura de informações é capaz de fazer com a cabeça desses funcionários, em grande parte com pouca formação formal. Se o sujeito for criativo então, o céu não tem limites para restringir seus devaneios.

Seu habitat costuma ser atualmente bem protegido, inclusive das intempéries, este profissional passa invariavelmente seu dia sentado em confortável poltrona, de onde opera mecanismos que controlam entrada e saída, de moradores, visitantes e profissionais de serviços gerais, que atendem a demanda por problemas em equipamentos eletroeletrônicos e hoje de entrega de alimentos, processados ou não, e dos quais estamos cada vez mais dependentes.

Este local estratégico que ocupa, permite entre outras coisas, acompanhar a rotina de cada morador, e claro, a partir daí, intuir fantasias diversas. Sem dispor de alguém para trocar seus devaneios, esses profissionais devem sofrer com esse isolamento, que supostamente visa preservar sua segurança e de tabela, a do condomínio.

Conta a lenda que em bairros como Copacabana e Flamengo que convivem com alta densidade de idosos por metro quadrado, e que insistem em morar sozinhos, porteiros e faxineiros são considerados familiares, pois exclusivamente através deles, conseguem não apenas companhia, mas também resolver pequenos consertos e até mesmo uma compra emergencial de remédios ou outra necessidade que exija urgência.

Na agitação dos grandes centros, esses profissionais ganharam de vez a confiança de moradores, passando mesmo a dispensar mais atenção a eles, aquela mesma que filhos e irmãos têm negligenciado, com ênfase aos mais longevos, apelando sempre para a esfarrapada desculpa de falta de tempo, que virou uma espécie de salvo conduto para explicar, o inexplicável.

A crescente insegurança urbana tem gerado violência, que acabou transformando porteiros, ou melhor, porteiros 24 horas, em um dos itens de valorização de um imóvel, passando a constar obrigatoriamente dos anúncios de comercialização de imóveis novos, junto aqueles diferenciais de equipamento, que tem em comum o uso indiscriminado de anglicanismo, para designar espaços internos disponíveis para trabalho, exercícios, festas etc.

Enquanto profissões perdem importância, o espaço para porteiros no mercado de trabalho se mantém em franco crescimento, e com boas perspectivas futuras.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 23/11/2023
Código do texto: T7938867
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