A Última Intifada!?

Levantei cedo, a aurora ainda não tinha sido deflorada pelo vigoroso sol de novembro, sol de primavera, primavera que nos lembra o “INENARRÁVEL” 31 de outubro, dia do aniversário de Drummond; segui para o curral, enquanto desleitava a Craúna, Barrabás rosna ferozmente com o Panthro, seu filho, que corre atrás e morde o burro Coriolano, que entra no recinto com uma cólera, comparada apenas com a de Aquiles, descrita na Ilíada, dardeja um coice em Quixaba, irmã da Craúna, que espanca Lavandeira, sua prima, que por sua vez dá uma pancada no  Capenga, o bezerro que não estava na história, não tem parentesco algum com essa “quadrilha,” nem nada a ver com a confusão, mas assustado, salta a cancela e derruba o balde que estava cheio, cancelando o leite dos cabritos enjeitados. Em resumo, depois desse “funaré,” não adianta chorar o leite derramado, nem lembrar que outrora celebramos um certo 14 de março.   

Cá comigo, depois de algumas cafungadas, amansando a minha ira, me veio à mente o porquê de algumas espécies nunca viverem em harmonia, inclusive, espécies da mesma espécie, como árabes e judeus que, por sinal, não apenas da mesma espécie, mas irmãos de sangue, já que Ismael, filho primogênito de Abraão com a serva egípcia Agar, é apontado de ser o pai dos árabes e Isaac, seu meio-irmão, porém filho da Sara, a esposa oficial, é o pai dos judeus; isso, tudo dentro das leis dos conformes da época. (Segundo a tataravó da Candinha), a vida de Ismael se resumia em fazer “mungangas” e mirar a língua em direção da mandachuva Sara, além de viver fazendo caretas para o pequenino Isaac”. O primeiro patriarca, a pedido da “dona do pedaço Sara”, manda a serva, com o guri, “desapoitarem” da sua tenda, em busca da incandescente areia do deserto de Berseba, a deus-dará... Conseguiram atravessar chegando a Parã, mais magros que os “cancãs da Barra do Alexandre”. Segundo a bíblia, Jeová, Eloá ou Javé, como preferirem os teólogos, tranquilizou Abraão garantindo que os seus dois filhos seriam pais de duas grandes nações.

Abraão, filho da capital da Mesopotâmia, Ur, foi o escolhido do Pai Eterno para liderar os Hebreus rumo à Terra de Canaã. Isso mesmo o que vocês leram – deixou a região onde era sinônimo de fartura (já que não se edifica nenhum jardim em terras áridas, ainda mais o do Éden), entre os rios, Tigris, Eufrates, Giom e Phisom (Mesopotâmia, significa ENTRE RIOS em grego) em busca de “Doca-do-zóião,” um deserto que foi, é e será palco de tantas guerras “em nome” do mesmo deus.     

A razão eu não sei, mas sei que não é apenas uma tentação geográfica, aquela terra onde os Romanos denominaram Palestina (Terra dos filistin/filisteus), sempre foi um fisgo de atração funesta, para se ter uma ideia, depois da embriagues de Noé, o bom e justo homem, excomungou o neto Canaã, pela picardia do pai Cam e determinou que o “anatemado” fosse povoar a África, mas tão teimoso quanto um judeu, o jovem fez ouvido de mercador libanês e foi montar as suas tendas na “Terra Santa”, a mesma terra que vários séculos depois, Moisés e os descendentes de Jacob ou ISRAEL (como ficou renomeado, depois daquela troca de tapas com um anjo), “embussulados” por um pedaço de pergaminho na mão, vagaram por 40 anos, fugindo do Egito, num êxodo literal, em busca dessa “Prometida Terra”. Então coube aos seus irmãos Pute, Kush e Mizraim, além do pai Cam, seguirem para o continente africano, para povoá-lo ao descer do Arará. (Já pensou essa informação nas mãos dos SARRACENOS E PAGÃOS E QUAISQUER OUTROS INCRÉDULOS E INIMIGOS DE CRISTO?)

Jerusalém continua sendo a “Cidade Santa”, na ótica das três maiores religiões monoteístas do mundo, mesmo sendo um verdadeiro “caldeirão do Diabo”, desde sua fundação, quando Sem, filho de Noé, e seu Bisneto Éber, ergueram as suas primeiras casas; defendida pelos Cristãos, por ser sede de vários milagres de Cristo, também por guardar seu túmulo e presenciar sua ressurreição, para os Judeus, por ser eleita pelo Rei Davi sua capital, além de ter sido a sede do Templo de Salomão, onde guardou a arca da aliança por muitos anos, até os babilônios o destruir (por sinal a arca só foi vista depois no século XX, graças ao arqueólogo Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida...), e para os islâmicos, por ser o palco de ascensão ao céu, do profeta Maomé, indo ao encontro de outros profetas, inclusive para Maomé, Jesus era um deles.

Hoje nos deparamos com muita gente, “de conhecimento raro”, querendo azedar mais ainda aquele angu, demarcando terras com a própria língua a milhares de quilômetros do Vale do Jordão, inclusive tem alguns “acadêmicos de botecos”, afirmando que essa é a última intifada e que veremos mais uma diáspora.

-Quando criança, perguntei ao meu pai, se existia algum sinal do fim do mundo, ele respondeu, baseado em citações bíblicas, que o primeiro sinal seria “quando os judeus tivessem pátria”, ele estava meio distante e como já nasci meio “môco”, entendi “quando os judeus tivessem em paz”, então passei o resto da minha infância e início da adolescência, torcendo para que Jerusalém continuasse sendo aquele “show pirotécnico” que víamos na tv...

Para balancear entre o antigo e o moderno, como citei, o sempre lembrado Drummond no início, finalizo com o esquecido Castro Alves, onde o mesmo consegue traduzir em poucas estrofes, parte dessa barafunda milenar, em alguns trechos do seu poema Vozes d’África, coisa que eu tive que descrever um texto do tamanho do Saara.

“Foi depois do dilúvio... um viandante,

Negro, sombrio, pálido, arquejante,

Descia do Arará...

E eu disse ao peregrino fulminado:

"Cam! ... serás meu esposo bem-amado.

- Serei tua Eloá...”

Desde este dia o vento da desgraça

Por meus cabelos ululando passa

O anátema cruel.

As tribos erram do areal nas vagas,

E o nômade faminto corta as plagas

No rápido corcel.

Vi a ciência desertar do Egito...

Vi meu povo seguir - Judeu maldito -

Trilho de perdição.

Depois vi minha prole desgraçada

Pelas garras d'Europa -- arrebatada -

Amestrado falcão! …

Cristo! embalde morreste sobre um monte

Teu sangue não lavou de minha fronte

A mancha original.

Ainda hoje são, por fado adverso,

Meus filhos - alimária do universo,

Eu - pasto universal...”

‘Castro Alves’