MESQUINHARIA, "SINHOZINHO"!
Arthur é um exemplo de sujeito inteligente, sortudo sabido, mas pouco empático. Seus neurônios são tão bons que o levaram a se tornar engenheiro, mestre, doutor e pós-doutor em uma área de conhecimento nada fácil: Física. Com tantas qualidades, não lhe foi difícil se tornar professor de uma universidade bastante respeitada e prestigiada por estudantes de todo o Brasil.
Ao longo de sua vida, a sorte só não o acompanhou na escolha das namoradas e da esposa: casou-se com uma que, com menos de um ano de união, lhe plantou um par de chifres, originando uma separação civilizada, mas traumática, pois Arthur nunca mais quis se casar. Mas nem tudo foi ou tem sido ruim em sua vida: na condição de filho único, quando seu pais faleceram, ele herdou uma casa em um terreno gigante, pertinho da universidade em que trabalha.
Após os lutos, considerando sua capacidade para gerir, ganhar e poupar dinheiro; ele percebeu que poderia apurar, mensalmente, muito mais do que lhe rendiam o seu salário como docente, se construísse apartamentos para os alugar aos muitos alunos de várias partes do Brasil, que passam no vestibular para se formarem em diversos cursos e, consequentemente, precisam de alojamentos. Assim ele procedeu: aos poucos, mandou construir 20 locais para os alugar, os equipou e cada um deles passou a ser muito disputado pelos estudantes que se mudam para lá. Além disso, Arthur mandou construir e equipou ambientes que poderiam ser úteis a todos: uma sala, uma cozinha e uma lavanderia grandes.
Não era difícil administrar o negócio, pois ele ficou morando no imóvel que herdara e que ficava no mesmo terreno. O grande problema era limpar e arrumar gente para cuidar dos ambientes que alojavam ou serviam os estudantes, além de sua própria casa, seu quintal e sua piscina, tudo ao preço que ele queria pagar: um salário mínimo.
Com muita dificuldade, ele conseguiu uma “escrava” para trabalhar uma média de 10 horas por dia, de domingo a domingo: Naná! Eram dela as tarefas de, diariamente, varrer, passar pano, espanar e lavar os banheiros dos 20 apartamentos, além de fazer o mesmo com os ambientes comuns e com aqueles da “Casa-Grande”. Aos sábados e domingos, eram suas, também, as tarefas de limpar a água da piscina, fazer os almoços e jantares (tinham de ser gostosos, mas "à continha", ou seja: não podia sobrar nada para quem os cozinhou. Dessa forma, suas comidas costumavam ser verduras, ovos, miojos ou sopas) e depois arrumar, impecavelmente a cozinha.
Com sua mania de limpeza, ao chegar da universidade, Arthur costumava verificar a qualidade dos serviços, passando os dedos sobre os móveis em busca de poeira, arrastando as camas para ver se a serviçal havia varrido ali também, abrindo as geladeiras para ver se estavam limpas, conferindo se o fogão assim também estava... Um saco! Acho que essa deve ter sido a principal causa dos chifres que ele recebera outrora.
Ao final do dia, Naná podia se recolher na “senzala”, ou seja, em um quartinho de 2,0 m x 2,0 m, que ficava anexo à casa do “sinhozinho”. Na parede estava instalada uma campainha, que às cinco da manhã o patrão disparava, a partir de seu quarto, fazendo a pobre coitada pular para fora da cama e começar a trabalhar.
Há algum tempo, Arthur se ausentou por uma semana para ir apresentar um trabalho seu em um congresso na Capital Federal. Durante esse período, Naná passou a acordar às 10h da manhã, tomar o seu café igual ao do patrão (com pão, manteiga, geleia, ovos e bacon) e, pachorrentamente, deitar-se na rede da varanda para ficar vendo e ouvindo os passarinhos chilrearem nas árvores do quintal. Por volta de meio dia ela começava a fazer o seu almoço com o que, de véspera, havia tirado do freezer. A inspiração culinária era aquilo que ela costumava fazer aos domingos para o patrãozinho: risoto de Grana Padano, moqueca de camarões, strogonoff de filé, bacalhau com natas, salmão grelhado... e os comia. Depois disso fazia a sesta e, quando acordava, “vassourava” alguns lugares na modalidade “só onde o papa passa”, até às 19h30min, pois às 20horas, impreterivelmente, ela abria uma garrafa de vinho da adega de Arthur e pulava na piscina.
Em uma sexta-feira, lua cheia, linda, por volta de 21horas, enquanto sorvia a última taça de uma garrafa de “Casillero Del Diablo”, deitada, nua, sobre um colchão inflável, dentro da piscina... Nossa heroína foi surpreendida pela voz e presença, desagradáveis, de quem estava viajando: “Que folga é essa, Naná? Quem permitiu que você usasse e minha piscina e bebesse o meu vinho em minha ausência?”
Com a língua enrolada pelo alto teor alcoólico nas veias, ela respondeu:
“Eu, hem, “Sinhozinho”!? Fazendo conta de um vinho ruim e de uma água suja dessas? Que mesquinharia!”
Soube que o patrão ficou indignado, mandou Naná sair da piscina, se vestir e quase deu umas porradas nela. Por fim, acalmou-se, pois se lembrou de que havia muita coisa para limpar e não seria fácil arrumar uma outra “escrava”. Quanto aos “prejuízos”, bastaria descontar todos os gastos do salário dela.
E a “besta” continuou lá, trabalhando o mesmo tanto, comendo miojo e sem salário por dois meses!!