Crônica de Cingapura (abril de 2002)
Março foi um marco, tocando o barco. Chegamos à edição número 60. E não é um mero cê senta e espera: são cinco anos, ou um lustro, dessa faina em que muito se esmera. E sem contar os décimos-terceiros. Bela marca, afinal o SingBrasil, singrando mares e alegrando lares, atravessou a crise de 97, sobreviveu o trauma da Copa de 98, não tremeu diante da virada do milênio e está aí enxuto feito um pirulito antes cair na boca da criança e virar palito. Vão aqui nossos agradecimentos e felicitações aos idealizadores, pioneiros e continuadores e, sobretudo, aos leitores, sem os quais esta obra não se faz.
Pois março se foi, com suas turbulentas águas, os seus comprometidos idos, a passos bem corridos. Se o grande César não tivesse achado que a previsão oráculo era primeiro de abril, não só não Cai o Júlio, bem como a mulher Calpúrnia não teria caído em prematura viuvez e, talvez, com um pingo de sensatez e, para não manchar as suas togas de sangue, a senatorial gangue - romana - poderia ter perpetrado um menos torpe atentado. O painel das violações seria uma das opções?
Passemos aos gladiadores modernos: recomeçou a temporada de Fórmula Um. E logo após aquela monumental cavalgada na Austrália, o nosso Rubinho, rubro que nem um quiabo, quis dar cabo desse burburinho do diabo. E se mandou resoluto para a Malásia. Largou em terceiro, deu partida fulminante, saltou logo adiante, e se pós a ditar o ritmo da dança, com voltas e mais voltas firmando a liderança.
Mas parece que foi aí que bateu aquela conhecida biela do desespero: cadê o Schummi, o primeiro? Ato contínuo, nosso velocista-mór foi atacado da velha pneumania. Foi pros boxes. E passado o Schumacher, ao invés de se sentir aliviado, deu-se o Rubinho conta de que fora o outro, o da Williams, aquele acelerado, e não o colega-patrão, dele irmão, o Ralf. Aí, sem rei nem roque, a reboque, nosso ás foi atrás, reagiu e tanto foi que pisou que o motor não aguentou, explodiu. Tava mesmo fundido. Deu pena ver nosso herói desconsolado, debruçado no guard-rail, chorando pitangas, antes de arregaçar as próprias mangas, mas quando soltas já eram as frangas. E as línguas. Essa dor, no entanto, logo passa, e a corrida não perdeu de todo a graça: na compensação veio o pontinho do estreante Massa. E já sabemos que em Interlagos, com tudo pago, pelo menos um brasileiro vai subir no pódio, o Pelé. Pois é.
E à medida que Saddam, sem dar sinal do que lhe passa pela teia, consulta a sua ampulheta e vê escoar o restinho da areia, anda feia a coisa no Oriente Médio, que uns dizem Próximo, e muitos querem ver distante. E não é pra menos. Na alternància incessante de explosões humanas e pesadas represálias dos tanques israelenses a esperança de paz ensanguentada é que, passada prá trás, imobilizada, jaz. A situação chega ao paroxismo de veterinários israelenses receitarem valium para os animais domésticos. Enquanto os palestinos - homens, mulheres e meninos - mesmo que aos tanques abram alas, recebem balas. De castigo e vigiado, que fará Arafat? Esse Ariel escaparia de um pinel?
Vamos pra África: o Zimbabwe realizou eleições e Mugabe teve o seu mandato renovado. O processo eleitoral foi altamente contestado tanto pela oposição quanto pela imprensa internacional. A comunidade das nações resolveu suspender e congelar contatos e alguns programas de assistência, mas o que pareceu irónico foi um tal George, que não é o santo, mas é texano daqueles de bota de cano, condenar as fraudes e exigir novas eleições. E AlGore? Quem viveu os tempos de regime militar no Brasil há de se lembrar da pergunta clássica - e irrespondida até hoje - de um tal Francelino Pereira, exgovernador da gente mineira: em que mundo estamos?
Havendo tocado em santidade, ou na sua falta, faço aqui uma retificação a uma passagem de crônica anterior: nossa primeira Santa não será a irmã Dulce da Bahia, e sim a Madre Paulina, de Santa Catarina e nascida na Itália. Não sei como confundi a revelação do Cardeal português que se ocupa das Causas dos Santos no Vaticano, mas uma coisa que pode não ser certa é pelo menos plausível: como já há muitos santos italianos, uma a mais tanto faz. Já uma brasileira, ainda que pia e ordeira poderia ser temerário. Afinal, esta nação descoberta por Cabral é ainda muito jovem. Mas, cabeça erguida. Irmã Dulce ainda terá sua vez. Demais, nada de prantos, a Bahia é de todos os Santos.
Vamos a algo mais profano. Aqui, pelo menos temos melhor chance: vem aí a Copa e a alma brasileira de chuteiras clama por vengeance: meninos de Filipão, chassez la France!