HISTÓRIAS DO EDIFÍCIO DE SANTA TERESA

Ainda usando o edifício de Santa Teresa como pano de fundo, relatarei novas histórias que ocorreram não só em seu interior, como também no seu entorno imediato.

Chateado com a inadimplência da taxa de condomínio de seu Zé, que já superava mais de um ano, resultando em ônus adicional para os oito proprietários restantes. Resolvi articular um plano com intenção de colocar uma pulga atrás de sua orelha. E assim quitar a dívida, que incrementada por uma inflação indomável, multa e juros acabara se tornando um montante cada vez mais difícil de ser quitado.

Para isso contei com a colaboração direta de uma colega de trabalho, que se dispôs a exercer o papel de uma oficial de justiça. Ensaiamos juntos o discurso a ser proferido e também montamos um ofício a ser por ele assinado, para tomar ciência, pois teria 72 horas para quitar a dívida acumulada, sob pena de arcar com uma prisão imediata.

Como já sabia dos hábitos do cidadão que não gostava de dormir cedo e muito menos acordar cedo, optamos por acionar a campainha de sua casa às onze horas da manhã. Saímos do trabalho para almoçar mais cedo. Eu fiquei dentro do carro, mas fora do alcance visual do seu Zé. Esperança, uma senhora que tinha pelo menos 1,80 metros de altura acionou a campainha do apartamento e ficou esperando a chegada do proprietário.

Depois de um cordial bom dia, quis confirmar se o senhor era realmente quem ela procurava, com o crachá da prefeitura parcialmente encoberto, se apresentou como oficial de justiça e passou rapidamente a informá-lo de seus direitos, e claro, de seus deveres, razão de sua presença no prédio. Com uma prancheta exigiu que assinasse em duas vias uma declaração.

Agradeceu a atenção, e partiu em direção ao carro, onde eu a aguardava, para almoçarmos num restaurante nordestino a pouco mais de quinhentos metros do edifício, claro que sob minhas custas, depois do bem ensaiado blefe. Nos deliciamos com o baião de dois acompanhado por macaxeira frita e retornamos ao trabalho.

Minha ansiosidade para saber se a jogada tinha dado certo precisou aguardar à chegada da noite. Surpresa, alguém acabara de tocar minha campainha interna, pelo embaçado olho mágico podia ver o Zé do outro lado da porta. Ao abrir a porta, e permitir sua entrada na cozinha, intuí que o golpe tinha sido certeiro, na sua mão direita um calhamaço de notas mostrava que o acerto de contas estava a um passo de ser efetivado.

Seu discurso atabalhoado, evidenciava um temor justificado pela justiça, as primeiras palavras a sair de sua boca foram: Eu não vou ser preso? Vou? Segurando na outra mão a folha que eu cuidadosamente tinha elaborado, tentando intimidá-lo.

Vale lembrar, que já tinha tentado inúmeras vezes um acerto, inclusive oferecendo descontos para a quitação à vista da dívida. Então só restaria apelar oficialmente à justiça, ou dar um blefe, como se faz no jogo de pôquer. Optei pela ação mais simples, que felizmente deu certo.

Esse mesmo senhor, no período carnavalesco, estava sempre à frente do bloco das Carmelitas, que nos seus primórdios, fechava o entroncamento de três ruas: Ladeira de Santa Teresa, Dias de Barros e Hermenegildo de Barros, para assim, dar tranquilidade aos pais e permitir que as crianças possam correr de um lado para outro da rua, em suas intermináveis brincadeiras, enquanto pais relaxados apreciam sua cervejinha, tendo como fundo aquelas musiquinhas de carnaval ,que se repetiam naquelas tardes bucólicas de uma Santa Teresa que gradativamente foi perdendo esse ar suburbano que apropria a rua como espaço de lazer.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 21/11/2023
Código do texto: T7937144
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