Posfácio não publicado do livro Dolores e Taís: escolhas ou destino? De Márcia Cris Almeida, lançado em 2023 pela Editora Sete autores.
Estava de passeio em uma cidade litorânea do Brasil, João Pessoa, sentada em uma barraca de praia para almoçar. Passou uma mulher pedindo dinheiro e comida. Eu, no impulso, pedi ao garçom para embrulhar o meu almoço e entregar à ela. Não sei o que me moveu. Não foi caridade nem piedade ou compaixão. Até hoje tento entender o meu gesto que foi impulsivo no sentido de que não pensei para fazê-lo. Este gesto me deu de retorno este livro.
Dois dias depois e em outra praia distante daquela em que eu estava, vi uma mulher passar pedindo dinheiro ou resto de comida. Conversava com uns amigos e não prestei muita atenção. Ela voltou, parou na nossa mesa e me disse:
— Eu te conheço. Você me ajudou lá na praia de Cabo Branco. Me deu todo o seu almoço. Eu não esqueço o rosto das pessoas que me fazem o bem.
Ela me disse isto e foi embora. Fiquei surpresa e por um momento paralisada. Fui atrás daquela mulher e a convidei para almoçar comigo. Ela me respondeu que não poderia porque tinha três bocas para alimentar e até aquele momento não tinha conseguido nada. Dei-lhe um dinheiro e voltei para a minha mesa com a minha história.
As férias acabaram, voltei para a minha cidade e estas cenas de vez em quando voltavam na minha lembrança. Aquela conversa foi um acontecimento, mexeu comigo e me abriu para perceber e ser sensível a uma realidade que até ali não me incomodava, era invisível: a vida dos moradores de rua. Sabe aquela tomada de consciência que de repente você vê e se sensibiliza com objetos ou situações que sempre estavam onde estão e você nunca percebeu? Foi o que me aconteceu. Eu não podia mais ignorar estas pessoas.
No final da pista de caminhada em que eu ando todos os dias tem um viaduto. debaixo dele muitas barracas de plástico e papelão onde vivem muitas famílias. Comecei a estender minha caminhada atravessando aquele viaduto. Lá, diminuía o passo para ouvir as histórias. Eram tantas! Um dia parei e presenteei uma família com roupas e brinquedos. Iniciei uma conversa. Por um processo longo de meses tentando um vínculo, ficamos amigos ou compartilhamos por um tempo interesses que se encaixavam: eu precisando ouvir e eles precisando falar. É uma família de três crianças, o pai e a mãe. Cida, a mãe, é a mais falante e me contou sua história, como chegou até aqui, o que pensa, me apresentou a história de outras pessoas.
Este despertar para o mundo de Cida e daquela moradora de João Pessoa me apontaram a história que eu precisava contar. Foi o início deste livro, que não é biográfico. Juntei muita coisa que Cida e seus amigos me narravam, com as minhas vivências de ouvinte, observadora, entrevistadora e expectadora e uma enorme dose de imaginação.
“Dolores e Taís: escolhas ou destino?” nasceu daquela amiga naquela praia distante. Não sei seu nome e seu rosto não ficou na minha memória, mas o dedico a ela. Ela nunca saberá que com o seu gesto e suas palavras de gratidão, me ajudou muito mais do que eu a ela. Ela me abriu um mundo que eu não conhecia.
Amiga desconhecida e Cida, este livro é para e por vocês.
Márcia Cris Almeida
21/05/2023