CONSCIÊNCIA NEGRA: ainda há muita estória nessa História.

“As ferramentas do mestre nunca irão desmantelar a casa do mestre”.

Audre Lorde

Claudio Chaves

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NÃO BASTA termos uma Educação legalmente antirracista. Muito mais que isso, é preciso uma humanização [ou outra coisa moralmente superior] suprarracista, supraclassista ou pluriétnica, pluricultural, multi-ideológica, multiepistêmica , pluriparadigmática e pluriversal.

NENHUM(A) paciente procura médico(a) sem que esteja convencido(a) de está doente, e nenhum(a) médico(a) (ou qualquer outro/a profissional) muda seus procedimentos se não se convencer ou for convencido(a), antes, da ineficácia destes.

AS FALHAS no processo de restauração da humanidade da pessoa preta no Brasil começam com a própria Lei que aboliu oficialmente a escravidão, que, na verdade, não são exatamente falhas, são estratégias.

OS REAIS esforços de governos e outros segmentos da sociedade no sentido de avançar no processo de restauração da humanidade e, consequentemente, da dignidade das pessoas pretas no Brasil nunca apresentam os resultados esperados e necessários não é porque sejam mal elaborados, inexequíveis ou falte recursos (quer financeiros/técnicos/tecnológicos quer humanos). Eles, em regra, não funcionam como deveriam porque a compreensão de quem promoveu a escravização negra permanece impregnada, da forma mais encarnada e impingente, não só em nossa cultura, mas em nossa própria subjetividade.

A ESCRAVIZAÇÃO de pessoas no mundo é tão antiga quanto o que acostumamos chamar de civilização – aliás, no caso de todas as colônias europeias, a escravidão foi o cartão de visita da civilização. No entanto, a escravidão negra tem um agravante especial: a animalização ou, talvez, mais que isso, a completa objetificação/desalmamento/coisificação.

PARA QUE se complete [se é que ele já começou mesmo] o processo de desescravização da população preta no Brasil, embora tudo o que já se tenha feito tenha sua relevância, é necessário um debate mais autêntico, mais amplo e mais consistente/crítico sobre as bases da nossa escravização, que são diferentes de outros processos em outras culturas e outras épocas. É óbvio que nada é exatamente igual! O que estou querendo dizer, no entanto, é que leis, projetos pedagógicos escolares, a ação da sociedade civil organizada... tudo isso são ações pertinentes; elas precisam, no entanto, de um sólido embasamento do que na academia se chama de “epistemológico” e de uma compreensão – que dá quase na mesma coisa – do processo em pauta que englobe muito mais que e retroaja à própria escravidão. É preciso uma formação educacional – não necessariamente exclusivamente escolarizada – que nos permita, principalmente às pessoas pretas, compreender a escravidão negra e suas consequências para aquém e além de si própria e sob uma perspectiva que não a do colonizador, como, em regra, sempre foi todo o nosso sistema nacional [de construção de Nação], quer na educação, na cultura, na politica, na religião... Ou, como diria Audre Lorde, “As ferramentas do mestre nunca irão desmantelar a casa do mestre”.

ANTES de se tornar uma política oficial/legal, a escravização das pessoas pretas [principalmente a moderna] foi um desejo, uma vontade, uma intenção motivada por convicções cosmogônicas racializadoras e racistas. Se não compreendermos tais razões, ainda que extremamente relevantes, todas as ações, incluindo, obviamente, as iniciativas legislativas e pedagógicas, nunca conseguirão alcançar os objetivos a que se prestam. Há motivações materiais/financeiras envolvidas? Obviamente! Há espontaneidade/naturalidade? Sim! Há outros fatores motivadores? Sem dúvida! Mas a principal razão tanto da escravização moderna das pessoas pretas quanto de suas consequências (a exclusão de tudo que as pessoas brancas têm direito “natural”, além da persistente e permanente tentativa, por vários meios e formas, de seu extermínio direto) é sua desumanização. Para que seja tratada(o) como gente, a(o) preta(o) precisa, primeiramente, ser assumida(o) gente. E nossa sociedade arianista, escravocrata, aristocrata, colonialista, eurocentrada, imperialista e, cada dia mais, teocêntrica, puritanista, unilateralista, universalista, negacionista e fanatizada em, regra, ainda não nos aceita como tal.

RESIGNADA e melancolicamente, concluo esta provocação com o que considero uma de duas [a outra é de Freud] sentenças mais incontestáveis e atordoadoras que já tomei conhecimento: “Quando os homens são puros, as leis são desnecessárias; quando são corruptos, as leis são inúteis” (Benjamin Disraeli).