A MARCA
Ela sabia que estava perdendo o controle sobre tudo: principalmente sobre sua vida. Ela sabia, era uma questão de tempo.
“ Preciso de mais uma bebida”, pensa enquanto acende mais um cigarro.
Tudo aconteceu de repente. Não era para chegar a tanto, mas tudo foi acontecendo, e ela saiu atropelando tudo. Não queria aquilo.
“ Meu Deus, por quê? Fazemos tantas coisas e às vezes elas não são suficientes para nós fazer sentir bem” – pensa consigo mesma enquanto pega mais um copo. Pelo menos a bebida lhe traz um pouco de alívio. Começa a ficar tonta, mas é uma tontura boa, sem pressão. Pode ser que se beber mais um pouco, todos os problemas desaparecerão.
Ela conta com isso, mas ela sabe que a bebida não resolverá nada. Nada é o que tem no momento.
Ele se foi. Uma discussão, inicialmente, baixa, pequenas altercações, até que eles passaram a se falar aos gritos. O primeiro tapa.
Ela não esperava por isso, mas esse tapa estava prometido há muito tempo.
Ela sabia que isso ia acontecer. Era uma questão de tempo. Ela provocava, procurava. Agora ele chegou: forte, quente, ensurdecedor.
Ela caída no canto da sala, olhava para todos os móveis como se procurasse ajuda, mas estava sozinha ali com ele. Levaria outro tapa? Talvez, uma surra? Ficou pensando nisso enquanto procurava se proteger.
Se proteger de quem? Dele? Ou de si mesma?
Os dois chegaram a um ponto em que não há mais como consertar.
Ele, ofegante, saiu batendo a porta.
Ela procurava se levantar. Vai até o banheiro, limpa o rosto. Lá está ela: a marca.
Marca que fecha um ciclo. Agora não tem volta.
Ela se olha no espelho e chora. O choro não é pela dor que sente pelo tapa, mas a dor vem de tantos tapas que não recebeu que ficaram parados no ar.
Talvez merecesse o tapa, talvez merecesse ficar sozinha, talvez merecesse tudo de ruim que lhe aconteceu.
Mas agora não tem importância.
“ Preciso beber” – é só o que pensa.
Casa vazia, coração também. A sua cabeça queima.
Está sozinha agora.
O que fazer?
Está exposta e indefesa agora. Será forte o suficiente para prosseguir com sua vida?
O tapa a marcou, não pela dor que sentiu, mas por se sentir tão fragilizada, tão dependente que não pôde ser capaz de reagir, de gritar, de pedir socorro.
Agora chora, não pela dor que ainda queima em seu rosto, mas por saber que esse dia chegaria e ela o esperou com paciência.
Com paciência, como uma mulher espera seu filho: espera a chegada do filho mesmo sabendo que sentirá uma dor, mas que essa dor logo passará e ela terá uma imensa felicidade em seus braços.
Ela não tem a felicidade em seus braços, só tem a dor e a bebida para esquecer.
E isso é suficiente para ela neste momento.
“ É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender? (...)” Clarice Lispector