Neila se mudou para Lauro de Freitas. Ela já não se machuca mais… Não se corta e não usa mais crack… e não cheira mais coca. Não é mais… A única… A única mulher na ala de drogados de um hospício burguês. Esquecidos, sem família, sem amigos... abandonados. A boa nova é que Neila não fuma mais nem UM cigarro. Neila se olha no espelho e ainda existem marcas, que serão… Eternas.

 

Ela se sente linda, sua pele parece que ganhou cores, seu rosto parece que ganhou...Vida. Neila trabalha de garçonete e recebe ajuda financeira do ex-marido, sob a condição de ir todos os dias às reuniões dos “Narcóticos Anônimos” e continuar limpa. E ela todos os dias recebe notícias dos dois filhos que eles tiveram juntos… E que preferem - ainda - não falar muito com ela. Eles ainda não acreditam nela. Neila não se importa... ela não se fere mais, pois não quer se sentir ferida, e pronto. Antigamente ela parava de se ferir por agrado aos caprichos dos outros e isso nunca dava certo...

 

Pensava que laços eram sempre laços… E que laços eram eternos. Que amizades de longa data não podiam acabar, que família era pra sempre e que jamais terminaria sozinha. Neila serve mesas à noite e adora ficar cansada, exausta… respirando...Viva. Certa vez no hospício, lhe disseram algo assim:

 

“daqui, do fundo poço, podemos nadar pra cima... Ou morrer afogados.” - Neila se lembra do amigo que disse isso e tenta sorrir enquanto recebe sua moedinha de um ano de sobriedade. Ela não consegue rir direito… Ainda é difícil sorrir demais.

 

Sente-se muito VIVA apenas… Só pela oportunidade de tentar.

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 19/11/2023
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