Foi incrivel. Viramos amigos aos 14 anos por afinidade, por proteção, cumplicidade (éramos gays) e por confidências. Com ele não tinha que fingir ser outra pessoa ou vigiar minha ações ou atitudes e podia falar o que eu quisesse. Até mesmo achar um homem qualquer ou um garoto da escola gostoso. Um protegia o outro. Contei-lhe sobre o meu crush e ele me disse o dele. Faziámos planos mirabolantes para conquistar nossos crushes e claro nunca dava certo e terminávamos caindo na gargalhada. Ah, os nossos crushes eram héteros.

          A amizade saiu rapidamente do nível escolar para o nível pessoal e viramos irmãos de alma. Estávamos sempre juntos e assim fomos descobrindo a vida: primeiro beijo, primeiro namorado, primeira transa, primeira boate gay, carnavais, viagens, desfiles nas escolas de samba do Rio, primeiro amor, show do legião urbano, RPM, horas na madrugada tentando gravar fitas cassetes dos programas de rádio tomando vinho sangue de boi que era o que nossas mesadas podiam comprar e viagens ao Paraguai quando decidimos virar muambeiros. Em nossas formaturas ficamos completamente bêbados e na minha fomos parar na piscina do clube. Meu Deus, quantas lembranças.

          Você amava motos e quando você se formou seu pai lhe deu uma novinha, zero quilômetro, que apelidamos de motoca. Íamos a todos os lugares nela. A UnB tinha um forró muito famoso e sempre estávamos lá. Quantas vezes beijamos muito no campus que naquela época não havia a violência de hoje. Uma noite eu me dei bem e você não e na volta no lugar de voltar com você, voltei com o carinha. Antes de subir na motoca você disse ao carinha para cuidar muito bem de mim, me abraçou e disse que me amava. Foi a nossa despedida. Você foi para casa, mas nunca chegou. No caminho perdeu o controle da motoca e bateu em um poste. A motoca que você tanto amava, te matou.

          Ao chegar em casa de manhã, minha mãe me deu a notícia e meu mundo desabou. Eu não acreditei e corri para sua casa. Era verdade. E era para eu estar com você na motoca se eu não tivesse me dado bem, mas não era minha hora. Você partiu aos 25 anos, cheio de planos e com uma vida inteira pela frente. Demorei a voltar a viver novamente preocupando minha mãe.

          Ah, meu querido Joaquim, que saudades tenho de você ainda hoje. Às vezes vejo fotos nossas que tiramos em todos os momentos de nossas vidas que passamos juntos e ainda choro. Também me pergunto como estaríamos hoje se você não tivesse partido tão cedo. Lembro que você tinha vontade de ter um filho e eu seria o padrinho. Meu afilhado hoje seria um homem talvez com a mesma idade que você ao partir. Continuo escutando sempre "linha do horizonte" do Azymuth que você adorava. Um dia tenho certeza que vamos nos reencontrar. Me espera tá?

          P.S - Ah, o carinha cuidou tão bem de mim que namoramos cinco anos e somos amigos até hoje.

          

 

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 19/11/2023
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