ALTINHA - "Eu Não Sei Mentir Direito" - O Rappa Mundi

Na praia com a mais velha, ela notou que perto da nossa barraca um grupo de pessoas brincava de altinha.

Pra quem não sabe, a brincadeira consiste em não deixar a bola de futebol ir ao chão. Vale usar joelho, cabeça, ombro, calcanhar, e, claro, os pés para a bola se manter no alto.

Ela, que brincava de catar conchas na faixa de areia próximo à arrebentação, olhava pra mim com ar inquiridor toda vez que ia até a mesa com a mão cheia de conchas e as despejava dentro do copo descartável usado como recipiente para guardá-las.

Percebendo certo marasmo em mim, já que nem catava conchas nem entrava na água, tratou de sugerir uma saída: “pai por que vc não brinca com eles?”

Ora, ora, ora… A solução para entreter o tedioso pai foi até boa se não fosse por dois detalhes. Primeiro: quando não se é mais criança, em regra, você deixa de travar contato com desconhecidos tão somente para buscar uma distração. Segundo: minha habilidade em jogar altinha se assemelha à experiência narrada por Marcelo Yuka em “Em não sei mentir direito”, (abaixo link da música), já que meu jogo de cintura também se manifestou de outro jeito, pra dizer o mínimo. Minha malemolência é avessa às acrobacias do esporte nacional.

Omitindo a segunda justificativa, pois nenhum pai, em regra, gosta de assumir fraqueza, respondi: “filha, não conheço ninguém ali para me aproximar e brincar também”.

Ao que ela prontamente me respondeu: “isso é fácil. Basta chegar e perguntar ‘posso brincar também?’”.

A mente de uma criança é incrível por inúmeros motivos. Uma das coisas que mais me fascina é a facilidade em se aproximar do outro sem enxergar barreiras de ordem social, econômica, étnica, racial etc. Basta o preenchimento de um único requisito: saber brincar.

No meu caso, apesar da notória falta de expertise, optei por dizer que não conhecia as pessoas. Errei. Fui responsável por reforçar na cabeça dela uma das barreiras que mencionei acima, já que minha negativa se deveu ao fato de não ser amigo de nenhum dos participantes das brincadeira.

Esperta com é, acho que percebeu a desonestidade da minha resposta. É que “eu não sei mentir direito, não”.

Da próxima vez, direi que não sei brincar. Será mais honesto.

https://www.youtube.com/watch?v=z1jBE-3q5Dc

Guilherme Lino
Enviado por Guilherme Lino em 17/11/2023
Código do texto: T7934173
Classificação de conteúdo: seguro