Lembranças de uma órfã prematura.
Pouco me lembro do meu pai. Sei que era, por inteiro, um homem muito belo. Recordo de seus traços físicos ao observar o sorriso de minhas irmãs, a fala de meu tio Miguel, o jeito maroto de alguns primos.
Aos quarenta e quatro anos se foi, chamado por Deus. Quando visito a minha memória de menina de onze anos, fico me recordando das pequenas lembranças que ficaram.
Do seu choro, ao chegar em casa tarde da noite, e ver minha mãe me banhando para diminuir uma febre alta, quando eu tinha sete anos de idade.
Quando, orgulhoso, me mandava aos seis anos, antes mesmo de frequentar a escola, escrever meu nome, para as visitas que chegavam pontualmente ao final do dia, para tomar um café e falar das coisas da roça, da vida simples do campo.
Não era homem de cair cedo na cama, sagradamente arreava um dos seus animais, Faceiro ou Pirata, e fazia seu tour pela cidade nas primeiras horas da noite.
Em momentos com os filhos, me pegava e dizia que eu perderia o colo com o nascimento de minha irmã caçula, que eu nem sabia que chegaria.
Às tardes, ao pôr-do-sol, voltava da roça após um dia exaustivo debaixo do calor, para manter o nosso sustento. Feliz, nos colocava sobre as mulas que haviam puxado o arado nas plantações de feijão, de milho e algodão, e deixava os filhos ficarem um tempo com os animais antes de soltá-los para o descanso.
Meu Deus, que delícia lembrar da carroça, com toldo de lona, que preparou durante toda a semana de muita chuva para podermos ir para o almoço de natal na casa da tia Onélia. Parecia uma carroça de bang-bang de filmes americano. Para nós filhos, foi a maior aventura! Lá fomos nós, o encontro não foi cancelado.
Lembro ainda, da sua procura insistente por palmito, porque eu ouvi algum camarada roceiro falar do sabor do mesmo, que em algum momento da vida havia comido, e eu lombriguenta, passei a sonhar com aquilo, sem mesmo conhecer. E ele astutamente, após tanta procura, me saciou com um pastel de um recheio qualquer fazendo-me acreditar estar provando o “menu” tão sonhado.
E como esquecer das brigas presenciadas, em ataque aos namoricos de minha irmã mais velha. Ah! E o guarda-chuva que quebrou no poste ao tentar atingir um pretendente a genro. E do ciúme dos moços da Companhia Andrade Gutierrez?
Não havia um único jogo de futebol do time porangabense que junto com seus amigos não arrumasse confusão. A culpa pela perda era sempre do juiz e do adversário. Era melhor correr, pois o pau comia solto.
E da sintonia, do respeito que tinha pela minha mãe. Jamais podemos macular a sua imagem enquanto esposo. Também penso que minha mãe sempre foi capciosa no seu relacionamento, reservando-nos dos conflitos, caso tenha havido.
Lembro-me perfeitamente da sua felicidade ao ser nomeado festeiro, com mais dois amigos, para coordenar a Festa de Santo Antônio, em 1963.
1966. O tempo foi tirando-lhe a beleza e sua saúde com uma rapidez imbatível, que não dá para computar na memória de uma criança, ainda sem a compreensão suficiente do mundo, pela época vivida.
Que sensação de amargura sinto hoje, ao lembrar das suas caminhadas lentas, das paradas impostas pela dor, de uma doença que o tiraria de nós dez meses depois. Da distância dolorida, da saudade abafada por tê-lo longe num hospital, da ausência de nossa mãe que ficou corajosamente ao seu lado. Da sua volta, pálido, sem forças, da sua partida.
Ah! Seu Elias Cubas, que saudades. Queria muito ter tido a oportunidade de te ver como avô. Seria, com certeza, muito carinhoso com seus netos.