A ENTREVISTA
A entrevista
Recentemente, um amigo meu, professor, submeteu-se a um processo seletivo em uma escola. Após realizar uma prova escrita, seguiu para uma entrevista coletiva, cuja primeira tarefa dos candidatos era confeccionar um crachá criativo. À disposição, estava uma cestinha na qual havia lápis de pintar, hidrocor, tesoura, cola, palito de picolé, papéis coloridos e um cordão. Sendo pouco habilidoso, o resultado não poderia ser menos cômico. Ao tentar aproveitar o máximo dos recursos, o crachá, ao final, parecia uma tentativa de ser o novo Vick Muniz, fazendo do lixo alguma obra de arte, mas estava mais para um Megazord bem aleatório.
Fiquei pensando qual era o objetivo disso, porque mensurar a criatividade a partir de uma tarefa assim me pareceu bastante redutor. Há diversas maneiras de ser inventivo, e esse trabalho com cola-papel-tesoura não contempla muita gente, como a história do elefante que teve que competir com um macaco para ver quem subia mais rápido na árvore. Afinal, a vaga era para professor de Língua Portuguesa, que lida essencialmente com o texto verbal, não era para o componente de Artes. A arquitetura dos gêneros textuais orais e escritos, ficcionais (ou não) poderia ser uma habilidade explorada ali, por improviso mesmo.
Esqueci de dizer que deveriam constar as seguintes informações no crachá: nome, uma curiosidade sobre si e o seu sonho. Para tudo, míseros 15 minutos, dos quais 5 foram desperdiçados na tentativa inútil de buscar uma curiosidade realmente interessante sobre si. A única coisa na qual conseguiu pensar foi o fato de ele não gostar de algodão-doce. Quem não gosta de algodão-doce, minha gente!? Que outras “surpresas” e atributos lhe poderiam passar na cabeça senão as que já estavam no currículo? Será que todos têm realmente curiosidades pertinentes a serem reveladas numa entrevista de emprego?
E sobre o sonho de cada candidato? Não precisava ser necessariamente profissional, mas a maioria respondeu algo nessa esfera, além da previsível resposta sobre os lugares para onde gostariam de viajar. Essa é outra pergunta difícil de responder. Os sonhos são dinâmicos, baseiam-se em desejos e mesmo vontades que ora parecem relevantes, ora se esvaem. O que se almeja hoje não corresponde necessariamente ao amanhã, podem surgir diversas circunstâncias que façam o indivíduo mudar de ideia. Até mesmo a realização de um dos tantos anseios que temos nos faz migrarmos para um novo sonho.
No segundo momento, aos aspirantes à vaga foram feitas perguntas diversas. A um dos pretendentes, indagaram se ele já teve que mudar algo em sua aparência para atender às exigências dalguma empresa na qual tenha trabalhado. O rapaz, jovem, garboso, respondeu que, por ter tatuagens no braço, sujeitou-se a disfarçá-las com maquiagem a pedido da corporação. Ao ouvir o relato, fiquei pasmo, pensando no quanto esse professor precisou se anular, maquiar parte da sua identidade para que pudesse atender ao padrão, para ser aceito... Mas quantas vezes também não nos camuflamos para sermos bem-quistos, amados...
Meu colega também pensou bastante sobre a indagação feita a outra candidata: “qual foi a decisão mais difícil que você já tomou na vida?”. Ele me revelou que o primeiro pensamento dele foi quando decidiu sair da casa dos pais. E essa foi a resposta da concorrente. Disse sobre o processo, da dificuldade se desvincular, mas havia a necessidade – porque o ambiente não favorecia crescimento, era marcado por constantes desavenças. Todos nós passamos por isso, não? Independentemente da condição – seja uma convivência amistosa ou hostil – a dor do desprendimento vem. Acrescentou que hoje se dá muito bem com a família, tendo melhorado o relacionamento. Às vezes é assim: precisamos nos mudar do cenário para que este também se modifique.
O fato é que qualquer pessoa que se submeta a uma entrevista de emprego sempre se revelará impecável, responderá que seu maior defeito é ser perfeccionista, workaholic, capaz de abdicar da família e dos fins de semana para atender à empresa, proativa, feliz, determinada a corresponder integralmente às do/a chefe. Parece-me que meu amigo não está mais disposto a isso. Cansou da sujeição escravocrata contemporânea. Ah, ele não ficou com a vaga. No entanto, guardou consigo uma certeza: aquele não é o lugar que ele deseja estar.
Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.
(Texto publicado em A União em 17/11/2023)